segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Vicky Cristina Barcelona?

Para a indústria cinematográfica norte-americana, Woody Allen envelheceu. Não tem mais apelo, não arrasta multidões e, conseqüentemente, não enche mais os bolsos dos grandes estúdios. Com isso, rumou para o Velho Continente. “Vicky Cristina Barcelona” é o terceiro filme do cineasta gravado na Europa, primeiro na Espanha. O motivo da locação, segundo o próprio Allen: “só gravei em Barcelona porque pagaram”. A prefeitura local desembolsou cerca de dois milhões de euros para que a cidade se tornasse a terceira personagem da película. O que causou revolta por parte de alguns artistas catalães, afinal, a quantia é astronômica e foi destinada a um artista estrangeiro. A encomenda fica clara quando verificamos a variedade de pontos turísticos apresentados no filme. Barcelona, então, limita-se as obras de Gaudí e Miró, a um ou outro bar e restaurante. A cidade acaba como uma personagem vazia, estática.

O olhar turista é evidente, as lentes revelam uma Barcelona que pode ser vista em qualquer catálogo ou revista de viagens. A cidade não salta da tela, como Nova Iorque faz nas mãos de Woody. Um refúgio do cineasta a esse tipo de crítica é o fato da narrativa contar a história de duas turistas americanas que vão à Barcelona. Prestes a se casar, Vicky (Rebecca Hall) vai buscar material para seu mestrado sobre identidade catalã. Cristina (Scarlett Johansson), após romper um namoro, vai à busca de novas aventuras e experiências. A primeira é recatada, demasiada racional, tem um relacionamento estável e está noiva. A segunda é atirada, mais sensorial do que racional, aberta a novas experiências e tem dificuldades em manter relacionamentos. As duas protagonistas são simples, personagens óbvias e que não surpreendem. São tão vazias quanto a Barcelona retratada.

Talvez as protagonistas acabaram sufocadas pela forma de narrativa. Um narrador onisciente em “voz over”, documentando, mastigando e digerindo as informações para o expectador. Não sobrou espaço para a história fluir naturalmente através de suas principais personagens. Não existe um fluxo natural, a narração acaba trazendo artificialidade ao enredo e limitando a interpretação do público. Além disso, é cansativo ouvir a mesma voz dando o tom da narrativa. Esse é um recurso que pode ser usado, mas em um filme cujo título é “Vicky Cristina Barcelona”, não. As três personagens dão nome ao filme, por que não dar profundidade dramática a elas e contar a história através de suas perspectivas? Parece até preguiça.

A trama se desenvolve no momento em que o pintor catalão, Juan Antonio (Javier Bardem), entra na vida das duas turistas. Javier mostrou que sabe ser quente e sedutor, em oposição ao personagem de “Onde os fracos não têm vez”, que lhe rendeu um Oscar. Ele, artista e libertário, um amante. Penetra no caminho de Vicky e Cristina para bagunçar as idéias sobre amor e sexo. O que acontece não é necessário dizer, é óbvio. Vicky, puritana, acaba seduzida pela “guitarra espanhola” e, com receios, se rende ao pintor. Já Cristina entra no clima de liberdade sexual, assim, logo de cara. Ao que tudo indica, será desenvolvido um triângulo amoroso, no melhor estilo francês da “nouvelle vague” e seus trios emblemáticos, como o de “Banda à Parte” (Godard). Mas não, no decorrer da narrativa é apresentada outra personagem, Maria Helena (Penélope Cruz). Ex-mulher de Juan Antonio, ela é um gênio, pinta, toca piano, esculpe, enfim, uma artista completa. É catalã, na verdade, um estereótipo gritante de uma catalã. Com ela que se desenvolverá um triângulo interessante, Cristina, Juan e Helena. Aliás, as duas personagens de Barcelona são exageradas. Sempre de chinelos, em tons pastéis, comendo, bebendo e gritando. É a visão de um turista diante de uma identidade cultural que ele não compreende, pois não é sua realidade. Como se Almodóvar filmasse em Nova Iorque e buscasse colocar a cidade como sua personagem. É artificial, inverossímil.

A atuação das americanas acaba engolida pelo “over-acting” dos espanhóis. Rebecca Hall, linda e elegante, cai bem em sua personagem, não empolga, mas convence. Scarlett Johansson, sensual, provocante, não passa muito disso e acaba empolgando mais pela beleza do que pela atuação. E então chegam os espanhóis, desvairados e coloridos. São o contraponto a cultura puritana americana, verificada em Vicky. São o que Cristina queria ser. Porém, acabam sendo, realmente, caricaturas de artistas catalães. Assim, efusivos, abusam de gritos e gestos bruscos. Com isso, dão mais vida ao filme e acabam trazendo uma comicidade que inexiste nos momentos em que só as americanas estão em cena. Porém, tal comicidade é carregada de estereótipos e obviedades, tudo muito superficial, sem profundidade dramática. Todos acabam como personagens ornamentais, Barcelona também.

O ponto chave do filme é o conflito entre segurança e liberdade, sempre partindo do amor e do sexo. Consegue ir além, chega à oposição de dois estilos de vida, o do artista e o do executivo. Um é colorido, de camisa aberta. Outro é monocromático, de camisa abotoada e pra dentro da calça. Assim é o “conflito”, no filme, entre o espanhol e o americano. Não deixa de ser clichê, assim como as ações dos personagens. O elemento que se salva é a fotografia, não poderia ser diferente em um filme sob encomenda. O responsável por essa parte foi o espanhol Javier Aguirresarobe. Ele conseguiu saltar aos olhos com seus enquadramentos flutuantes, que variam de acordo com o ritmo e importância do dialogo apresentado.

“Vicky Cristina Barcelona” poderia ter acabado como “Vicky Cristina Roma”, ou “Vicky Cristina Salvador”. Segundo Allen, esse era um antigo roteiro que foi “adaptado” a cidade de Barcelona. Poderia ser qualquer outra e todas seriam retratadas de maneira superficial. Não tem como revelar a identidade de uma cidade se o cineasta não respira sua realidade. O resultado é um filme claramente encomendado. Outro ponto importante é a polêmica acerca do roteiro, do qual Woody foi acusado de plágio. O fotógrafo e escritor espanhol, Alexis de Villar, afirma que a obra de Allen é um plágio de seu livro “Goodbye Barcelona”, de 1987. Assim, “Vicky Cristina Barcelona” acaba mais parecendo o desespero de um cineasta para arrecadar fundos. Uma obra que destoa do conjunto de Woody Allen. Portanto, creio que ele aprendeu que, em matéria de identidade catalã, é melhor deixar os filmes para Almodóvar.