quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Fichamento: “O Estado e Indivíduo sobre o Nacional Socialismo”, encontrado no livro “Tecnologia Guerra e Fascismo” de Marcuse

- O nacional socialismo não pode ser considerado uma revolução, pois não alterou a estrutura do processo produtivo, alguns grupos sociais ainda mantiveram o controle dos instrumentos de trabalho, não fazendo seu uso para o interesse geral da sociedade. A economia no Terceiro Reich era organizada em torno de grandes conglomerados industriais apoiados pelo governo, eles expandiram seus domínios antes mesmo da ascensão de Hitler ao poder.
- No regime nacional socialista o exército figura como um “Estado dentro do Estado”. Reorganizado segundo princípios mais democráticos de seleção, ele se afastava da organização que tinha no antigo Reich.
- Dentro do regime, empresário e operário são unidos na Frente Operaria Alemã, submetidos as mesmas regras de comportamento que os operários, os empresários acabaram por perder seus privilégios.
- O nacional socialismo liquidou as características essenciais do Estado Moderno, abolindo qualquer separação entre Estado e sociedade. O regime tendia ao autogoverno direto e imediato dos grupos sociais dominantes sobre o resto da população.
-A manipulação das massas visava libertar os instintos mais brutais e egoístas do indivíduo.
- Domínio da lei, monopólio do poder coercitivo e soberania nacional foram as três características abolidas pelo nacional socialismo. A lei não era algo universal e aplicável a todos igualmente, em seu lugar existiam direitos particulares diferentes: para o partido, para a indústria e para o “Volksgenossen” (camarada) comum.
- O Estado em si não era totalitário, mas a totalidade se encontrava no movimento nacional socialista. Segundo Hitler, o Estado não era um fim, mas um meio para a formação de uma cultura humana superior.
- Nesse período pós primeira guerra, a Alemanha perde seu mercado externo, tem seu mercado interno reduzido e ainda conta com uma legislação social, que combinada com os outros fatores impedia a utilização lucrativa de sua crescente indústria. Detectava-se a volta de uma política imperialista, o livre capitalismo não daria conta de transformar o Estado. O Estado democrático precisava ser transformado em autoritário para atingir suas metas.
- Hitler baseava-se no principio da eficiência, onde os indivíduos recebem uma parte na produção social baseada no seu desempenho na luta competitiva. Ele pregava uma “competição implacável”, vale tudo, desde que se mantenha dentro do padrão social estabelecido.
-A primeira tarefa do nacional socialismo era devolver o posto de poderoso concorrente no mercado internacional
- As relações econômicas deveriam ser transformadas em políticas, a expansão e dominação do Estado seria um agente executivo da economia. O Estado tomou para si a tarefa de criar um novo espaço para a iniciativa do empresário.
- O Estado deveria identificar-se diretamente com os interesses econômicos predominantes e ordenar as relações sociais de acordo com suas necessidades.
- Para atingir seus objetivos, o partido oferecia um aparato terrorista indispensável. Supervisionava a educação e o treinamento dos jovens, monopolizava o poder da polícia secreta e normal, alterava a lei de acordo com seus interesses, além de criar e perpetuar a ideologia oficial. A grande burocracia aplicada gerou muitos empregos e criou uma nova elite que se alia aos capitães da indústria.
- As forças armadas possuíam uma independência em relação ao partido, mas nem por isso deixavam de trabalhar em conjunto, ambos com interesses imperialistas.
- O Estado tinha uma soberania tripartite: Partido, indústria e forças armadas, dividindo o monopólio do poder coercitivo.
- A harmonia entre as três hierarquias era encontrada na figura do Fuhrer. Ele é o mediador das forças rivais. Sua decisão não era livre, pois ele tem sua origem ligada a filosofia e política dos grupos imperialistas dominantes a quem ele serviu. Ele é aceito como líder pois ele tinha o poder de dominar as massas e era um símbolo de eficiência. Os dirigentes da Alemanha não acreditavam em ideologias, mas sim na eficiência do Fuhrer.
- A eficiência nacional socialista estava totalmente a serviço da expansão imperialista, operando através do empobrecimento e repressão em escala internacional. Estados satélites deveriam alimentar a “raça superior”.
- O terror era também aquele terror legalizado menos visível, o da burocratização.
- Uma racionalidade técnica foi aplicada para dominar as massas, ela operava de acordo com padrões de eficiência e precisão. Tudo era minuciosamente controlado para a manutenção do aparato de dominação, onde a burocratização era um excelente instrumento.
- O Estado – uma maquina. Definição materialista que reflete melhor essa realidade nacional socialista.
- O Estado nacional socialista é o governo das forças econômicas, políticas e sociais hipostasiadas.
- A base energética de todo esse Império era o individuo. A evolução máxima do ser humano era buscada. Todos deveriam ter a oportunidade de ascender através de suas próprias habilidades. Empresa e nação trabalham em conjunto. “Einsatz”.
- O controle nacional socialista tende a abolir ou corrigir os mecanismos que poderiam impedir uma concentração de riquezas. Tudo deveria ser feito em prol do Reich.
- O regime era marcado pela separação de trabalhadores e fábricas, tudo era divido, uma fábrica era afastada da outra e dentro de cada uma os trabalhadores também deveriam ser divididos. Salários e condições de trabalho eram segredos militares, e sua revelação era considerada traição.
- Tudo era feito em massa, trabalho em massa, descanso em massa e férias em massa, tudo organizado e controlado pelo Partido.
- Tudo era realizado para gerar cada vez mais força de trabalho (bem mais valioso do indivíduo), depois de estudos, o lazer foi apontado como um bem para gerar força de trabalho, sendo assim, o Partido não mediu esforços para proporcionar isso ao povo.
- A privacidade era combatida. Um indivíduo não poderia ficar ‘”sozinho consigo mesmo”, para não “pensar na vida”.
- O nacional socialismo transformou o sujeito livre em economicamente seguro; eclipsou o perigoso ideal da liberdade com a realidade protetora da segurança. Essa segurança está ligada diretamente com a escassez e a opressão.
- Alguma liberdade deveria ser dada, nem que seja virtual, para isso houve a “abolição dos tabus amplamente aceitos”. Onde a quebra de certos tabus foi apoiada pelo partido. Esses tabus eram basicamente cristãos, como de castidade e monogamia. A procriação interessava ao partido, gerava força de trabalho e mercado consumidor. Houve todo um culto ao sexo. Prêmios por dar a luz a um bebê foram distribuídos.
- Indivíduos cujo prazer mais íntimo é estimulado e sancionado pelo Estado são propensos a se tornarem seus obedientes e seguidores.
- Uma falsa liberdade foi dada à população.
- A juventude, uma possível ameaça ao regime, era controlada através da educação e do culto ao sofrimento. Os jovens se identificavam com a figura do Fuhrer e com os ideais perpetuados por ele. Estímulos para a rebelião e protesto foram transformados em estímulos para a coordenação.
- O fascínio, a beleza e a licenciosidade das representações nacional-socialistas conservam as características da submissão e da dominação.

Absurdo: Um Estrangeiro em si mesmo - resenha "O Estrangeiro"









Mersault, sem possuir uma explicação para sua existência, é um estrangeiro na vida, por fora de tudo e viajante das sensações. Começa a obra recebendo a notícia da morte de sua mãe, não chora, parece que não sente nada de profundo, é tudo superficial e simples. Falta-lhe um superego, caminha a margem da moral social humana, não censurando seus instintos e desejos. Não mascarando suas ações e sentimentos como a maioria faz para facilitar a vida e a convivência com os outros.Sua história pode parecer simples. Enterra sua mãe, não chora. Conhece uma garota, é pedido em casamento e perguntado por ela se a ama, responde que não ama, mas não vê motivos para não se casar, passa bons momentos com ela. Mata um árabe na praia, culpa o sol. Em seguida vai preso e é condenado a morte.

Sua apatia no decorrer da história provoca o leitor, mas ao mesmo tempo o faz defender suas idéias por mais absurdas que possam parecer. É, o absurdo, presente mais do que qualquer coisa nessa obra, sendo o outro lado da liberdade que alguém como Mersault parece possuir. Não está preso a nada, religião, sentimentos, Estado e nem mesmo à ciência. Não tem crenças nem sonhos, somente vive o dia de hoje e o amanhã, como ele mesmo diz.

Na primeira parte mostra-se totalmente à parte de tudo, estrangeiro na vida, somente descreve as coisas ao seu redor, não dá significado a elas, não se abala e nem se empolga com nada. É apático em relação ao mundo, apatia essa, refletida na passagem em que diz que tanto faz se mudar para Paris ou não, é tudo a mesma coisa, a vida é sempre a mesma.

Ao cometer o assassinato, inexplicado, nada premeditado, não sente a culpa, não sente o crime, o comete simplesmente, mas sem sentir o castigo que é normalmente sentido após tirar a vida de um ser humano. Aqui nota-se uma gritante diferença com outro famoso personagem da literatura mundial, Raskolnikov, protagonista de "Crime e Castigo", de Dostoievski. O personagem desse outro romance também é um homicida, mas diferentemente do personagem camusiano, ele passa o romance inteiro sofrendo um autocastigo após cometer o crime, ele sofre e sente de maneira profunda o peso da moral que nele existe.

Mersault no decorrer do romance nada sente de culpa, cada vez mais se aproxima de uma revelação do absurdo da existência humana, feita somente no último capítulo. Ele começa a mudar quando se vê de frente com a morte, algo inesperado, dado o fato de que pelo seu crime dificilmente seria aplicada a pena máxima. Foi condenado por "não chorar no enterro de sua mãe", foi julgado merecedor da pena capital por justamente planar nas sensações e nada sentir, por não sofrer o peso da moral e estar de certa maneira livre das imposições sociais e religiosas. Por ser assim, foi julgado como monstro, aberração e que deveria conhecer o fio da guilhotina.

Ao se deparar com a sua morte, ele vê como previsível o fim de sua vida, e faz revelações profundas, porem não íntimas, no final da obra, mostrando que também é capaz de uma densidade maior e que nem tudo são sensações em sua vida. Mas mesmo assim não se prende a nada, nem nos instantes finais, nem ao conversar com o capelão, não crê em Deus, em nada acredita e assim conhece uma das inúmeras verdades da existência humana, a verdade do absurdo, de como tudo é insignificante e de como o homem é um estrangeiro na natureza.

Mersault preferiu não se ligar a nenhuma instituição social que legitimaria a sua existência, escolheu por viver no absurdo e também a morrer por esse, que o seguiu durante toda sua vida. Revelou que fora feliz e continuava sendo, mesmo na véspera de sua execução, mostrando assim como não buscava uma justificação para suas ações, apenas as encarava dessa forma absurda que sempre encarou a vida. Em um dado momento, até pensou em fugir, dar um jeito nas coisas, mas logo aceitou sua verdade, a sua existência inexplicável, absurda, e por não mudar acabou morrendo, sem heroísmos, por ela. Morreu como Sócrates ou Jesus, acreditando até o fim na sua verdade, sem nenhuma contradição ou arrependimento. Porém, esses dois morreram por razões maiores, já Mersault morreu por razão alguma e nisso reside sua própria verdade.

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Narcocorridos - Corridos Proibidos




O “corrido” consiste na mistura de valsa e polca, acompanhada por violões, sanfonas, e/ou por metais. Ele está presente em diversos países da América Latina como Colômbia, México e Ilhas Caribenhas. No México, mais especificamente na região “Nortenha” (fronteira com os EUA), o ritmo continua popular e o que em outros tempos foi usado para retratar epicamente os feitos dos heróis da Revolução Mexicana, nas últimas décadas tomou o cotidiano perverso, a vida de matadores e narcotraficantes como inspiração para suas canções. Esse novo estilo de “corrido” recebeu o nome de “narco-corrido”. A Colômbia também apresenta seus “corridos prohibidos” para contar histórias do submundo dos traficantes, suas dificuldades no negócio, as intrigas entre os cartéis e confissões de crimes.

Nessa temática de bandidos e balaços cabe uma ligação com a literatura de cordel brasileira quando usada para celebrar os feitos dos cangaceiros. Assim como os atuais protagonistas dos “narco-corridos”, os cangaceiros (também foras-da-lei) tinham suas realizações estampadas nos folhetos de cordel. Por outro lado, quanto a forma final os gêneros não têm uma grande proximidade, pois os “corridos” em geral apresentam textos mais curtos, verdadeiras canções. Porém, é preciso levar em conta que o típico “corrido” é organizado em quadras ou sextilhas semelhantes às do cordel. Outro aspecto a ser considerado ao realizar tal aproximação é o fato dos “corridos” serem poesias cantadas e não necessariamente impressas, ao contrário da literatura de cordel que é impressa e por vezes musicada. Embora tenham algumas diferenças, ambos têm suas origens na literatura de cordel ibérica, sejam nos “pliegos soltos” espanhóis ou nas “folhas soltas” portuguesas.

Os grupos musicais de “narco-corridos” atraem multidões tanto no México quanto na Colômbia. “Los Tigres Del Norte”, do estado de Sinaloa e conjunto mais famoso do gênero, já vendeu milhões de discos e chega a se apresentar para cerca de 100 mil pessoas no México, tudo isso desde a década de 70. Esse fenômeno veio com a formação dos grandes cartéis de drogas, pois toda essa “narco-estética” é fruto das mudanças sociais, políticas e econômicas que acompanham essas organizações e sua distribuição de entorpecentes. Nos lugares esquecidos pelo governo, nas zonas onde o cartel cumpre o papel de Estado e o narcotráfico dita as regras da economia, a população encontra satisfação e um retrato do cotidiano nas letras dessa expressão musical popular.

Toda uma estética acompanha a canção, seja nos códigos impressos em tatuagens ou nas espalhafatosas roupas de couro, no melhor estilo “mariachi”, com chapéu, botas e cinto muitas vezes coloridos. Embora respeitados, autores e cantores muitas vezes acabam vítimas da própria violência retratada. Entre Junho de 2006 e Dezembro de 2007, 13 “corridistas” foram brutalmente assassinados. Os motivos ainda estão sendo investigados, mas ao que tudo indica foram serviços encomendados por cartéis inimigos. Bandas menos famosas diversas vezes são patrocinadas por cartéis para cantar seus feitos e maldizer seus inimigos e acabam como vítimas dessa guerra.

O movimento ainda traz símbolos de status semelhantes ao “gangsta rap” americano, são acessórios de ouro, carros potentes, armas, casarões, drogas e mulheres. Com isso, assemelha-se também com o “funk proibidão” brasileiro e com as “neomelódicas” (celebram a Camorra) do sul da Itália. Todos eles cantam aventuras do submundo e tem símbolos de poder capitalistas. Como nos últimos anos voltaram a ficar em evidência, cabe a reflexão: tais gêneros seriam o outro lado da moeda do hedonismo exagerado e da eficiência produtiva capitalista? Um lado mais esquecido e violento? Tudo indica que sim. Com grande sucesso entre os jovens que levam a “vida loka” ou “loca vida”, buscando uma vida rápida com conquistas materiais violentas e instantâneas, o fenômeno onde personagens subversivos são os heróis encontra respaldo. Mesmo distante das classes mais abastadas da sociedade, esses jovens não conseguem fugir do espetáculo capitalista e acabam sendo o outro lado, mas da mesma moeda. Um fato intrigante é que enquanto os “narco-corridos” acabam banidos das principais rádios mexicanas e da Baixa Califórnia (grande comunidade hispânica), o “gangsta rap” não pára de ser transmitido, vender discos e fazer clipes.

Sempre em busca de rápida ascensão social, poder e luxo a juventude inconseqüente reflete o ideal capitalista de aproveitar o máximo de tudo, da balada, da viagem, da noite, da droga e dos negócios, a tal eficiência de produção capitalista. Assim, também acabam esbarrando no crescente hedonismo presente nos últimos anos. O prazer é colocado em primeiro plano e acaba como um fim em si mesmo, “viva rápido e morra jovem”. Isso pode ser visto tanto nas camadas mais favorecidas da sociedade quanto nesses novos kamikazes do submundo. As principais evidências são o abuso das drogas e a fixação na rápida satisfação a qualquer custo. Com isso, essa entorpecencia aparece como escapismo da realidade absurda da sociedade atual.

A vida social nesses locais é cantada e pré-existe ao “narco-corrido”. Esse, no fim, é tachado de causador da violência pelas alas mais conservadoras, que preferem não enxergar toda a complexidade que envolve a questão. O modo de produção operante, diariamente, parece forçar cada vez mais os limites do planeta e da sociedade. A crise já está anunciada há alguns anos e esse modo de vida acelerado e inconseqüente reflete violentamente o ápice dos ideais capitalistas de competição, eficiência e auto-satisfação. Os fins são os mesmos, mas o caminho do pobre acaba sendo mais violento.

Rei da Vela - A síntese da revolta

O Brasil vivia o início de sua ditadura militar e por aqui a revolta também se espraiava na produção cultural. Festivais tomavam conta da televisão, “engajados” e “alienados” travavam suas batalhas. A Jovem Guarda aparecia como produto da indústria cultural. O Teatro de Arena trazia o marxismo aos palcos, era duro, político e buscava uma identidade nacional para o Teatro. O palco era em forma de arena e o objetivo seria romper a “quarta parede” que divide atores e público. O estilo se colocava contra o chamado Teatro Brasileiro de Comédia, uma forma européia de dramaturgia trazida pelos imigrantes. É do questionador Arena que surge José Celso Correa Martinez, líder do Teatro Oficina.

O grupo Oficina também buscava a identidade do brasileiro, era crítico e pretendia revolucionar o teatro nacional, o fez. Em 1967, após um incêndio no galpão, o grupo procurou uma nova montagem para angariar fundos, ir a fundo na questão da identidade, refletir sobre a nova fase do país (ditadura militar) e explicitar toda a rebeldia que tomava conta dos quatro cantos do planeta. Então, Zé Celso pediu a grupos de dramaturgos, estilistas, artistas plásticos, cineastas e músicos para enviarem peças, curtas, trajes e músicas que resumissem tudo o que acontecia no Brasil e no mundo, para montar um espetáculo. Depois de vasculhar bastante, uma leitura em voz alta feita por Renato Borghi (ator), na sala de seu apartamento, provocou um estalo nas mentes do Oficina. O texto trazia a potência retórica necessária para o espetáculo, era satírico, sexual, revelava a face da sociedade brasileira e sua burguesia, denunciava a anti-história desse povo que só viveu a exploração em provento de uma minoria. A linguagem da peça, antiilusionista, dialogava com o público, rompia a “quarta parede” e incitava a reflexão do espectador. A peça era “O Rei da Vela” de Oswald de Andrade.

Escrita e publicada na década de 30, sobre os efeitos da crise de 1929, das revoluções de 30 e 32, a peça trazia a experiência de Oswald como burguês falido vivendo em meio aos agiotas, grandes beneficiários da crise. A peça conta a história de Abelardo I, agiota e industrial de velas que se casa com Heloísa de Lesbos, oriunda de uma família de aristocratas falidos. O casamento é de interesse, juntar o capital burguês industrial de Abelardo I com a tradição e o nome de Helena. A velha história da busca pela nobreza. A aristocracia se vende para os novos ricos, visando continuar no poder. A burguesia por sua vez é refém do capital estrangeiro, retratado na peça pelo personagem de Mr. Jones, um rico banqueiro americano. Os poderes que regem o nosso país são retratados nesse triunvirato formado pela aristocracia rural, burguesia nacional e serventia ao capital estrangeiro. A vela retrata a incipiente industrialização brasileira e a tradição/dependência do povo a esse artefato. Sem luz a vela é necessária e por aqui a tradição manda o defunto ser enterrado com uma. Lucro certo, apoiado nas massas, esse negócio de velas.

A peça é dividida em três atos. O primeiro se passa no escritório de usura de Abelardo I onde ele e seu secretário, Abelardo II, expulsam emigrantes endividados a chicotadas. Abelardo II se diz socialista, nele é caracterizado o socialismo oportunista, de fachada, para garantir os interesses pessoais e de classe da burguesia. Então, entra em cena Heloísa, Abelardo I logo vê o casamento a sua porta. O antiilusionismo permite essa fala de Abelardo I a respeito do casamento: “...comprar os velhos brasões, isso até parece teatro do século XIX, mas no Brasil é novo.” Nesse ato também é apresentado Mr. Jones, o “benfeitor” americano. Sobre ele, Abelardo I tem noção de seu papel como burguês de país periférico, que deve tudo que tem ao capital estrangeiro, se assume como lacaio e nas palavras dele: “É por isso que possuo uma lancha , uma ilha e você...”

O segundo ato se passa na ilha que Abelardo I comprou para Heloísa. Nela caem as máscaras da alta sociedade. Abelardo I tenta seduzir a mãe de Heloísa, Cesarina, que se mostra acessível às investidas. É apresentado ao público o caráter homossexual de Heloísa de Lesbos, como o próprio nome sugere, e o de seu irmão Totó-Fruta-do-Conde que roubara o namorado da irmã Joana, apelidada como João dos Divãs. O ataque as aparências continua quando D.Poloca, tia de Heloisa com mais de 70 anos e virgem, sente-se atraída por Abelardo I e Mr. Jones atraído pelo chofer. Outro personagem também entra em cena para trazer a crítica política à alta sociedade, é Perdigoto, irmão de Heloísa, jogador, bêbado e fascista. Tem a idéia de montar uma milícia fascista e tomar o poder, Abelardo I apóia a idéia desde que traga a manutenção da ordem que o enriquece.

No terceiro e último ato Abelardo II aplica um golpe em Abelardo I, toma todo o seu dinheiro e sugere o suicídio. Em seu testamento deixa tudo para Abelardo II, inclusive Heloísa e sua família. Em sua última fala Abelardo I proclama que a burguesia nacional está fadada a desgraça, essa virá das mãos do proletário unido, mas até lá, burguesia, aristocracia e o capital estrangeiro reinarão absoluto na terra das bananas. Esse é o sistema de substituição, morre um Rei da Vela e nasce outro, sai um Fernando e entra outro, todos lacaios do capital estrangeiro.

Se a peça reflete a década de 30, por que encená-la em 67/68? A resposta é desanimadora. A sociedade brasileira vive a história de substituição dos Reis da Vela já há muito tempo, até os dias de hoje. De um Abelardo para outro, de um Fernando para outro. A década de 30 marcou o inicio do Estado Novo de Getúlio Vargas, apoiado nas massas, populista e autoritário. Negociava tanto com os Americanos quanto com a Alemanha nazi-fascista, mostrando sua flexibilidade moral e oportunismo. Nesse período,assim como em 1968, o poder era de certa forma centralizado e os pilares da sociedade eram a família, a Igreja e o Estado. O espetáculo atacava todos eles. Com palavras, gestos, cenografia, músicas a sexualidade aflorava e as máscaras da sociedade iam caindo. Abelardo II era a síntese de Getúlio e João Goulart, sua maquiagem e vestimentas traziam traços do oportunista que transita da direita para a esquerda, um verdadeiro pelego. Personagem ainda marcante na realidade brasileira.

O espetáculo marcou a eclosão do movimento tropicalista. Revolucionou o teatro nacional, era um “teatro agressivo”, atacava seu público. Era circo, teatro de revista, Brecht, Shakespeare, chanchada, deboche, pornografia, Chacrinha, enfim, um verdadeiro carnaval. Buscava o atrevimento estético do cinema novo. Trazia a música de Caetano. Tudo para retratar o surrealismo brasileiro. Segundo o próprio Zé Celso em seu manifesto, publicado em 5 de fevereiro de 1968 no “Última Hora”: "Tudo procura transmitir essa realidade de muito barulho por nada, onde todos os caminhos tentados para superá-la até agora se mostram inviáveis. Tudo procura mostrar o imenso cadáver que tem sido a não-história do Brasil destes últimos anos, à qual nós todos acendemos nossa vela para trazer, através de nossa atividade cotidiana, alento. 1933-1967: são 34 anos. Duas gerações pelo menos levaram suas velas. E o corpo continua gangrenado. "

Hoje mais gerações levaram suas velas e o ano de 68 passou, os movimentos foram reprimidos e a realidade brasileira parece ainda viver da substituição dos Reis da Vela. Por outro lado, a expectativa de que algo vai acontecer volta à tona. Protestos internacionais voltaram no fim do século passado, nas reuniões da OMC, G8 e FMI. Seattle, Genova, Praga, Davos, Genebra, Quebec, Washington entre outras formaram novos palcos para essa nova esquerda. Black Blocs, Reclaim the Streets com suas festas nas ruas, grupos anarquistas ecologistas, o levante Zapatista em Chiapas, todos eles apontam para um novo futuro, a formação de redes de solidariedade, um antipoder para fazer frente aos poderosos Reis da Vela e ao capital transnacional que impera nesse começo de século.

Faces da "Metamorfose" - Kafka

Faces da Metamorfose

Gregor Samsa, caixeiro-viajante dedicado, trabalha para honrar uma dívida de seu pai. Um dia, ao acordar, se surpreende com uma nova forma tomada por seu corpo: ele se tornara uma barata. Barata de tamanho humano, dotada de consciência e razão, a única coisa que o diferencia de seu estado normal é a forma de inseto. Gregor não se sente como uma barata, ele é uma barata, repugnante e asquerosa como qualquer outra. Sua família, tinha nele a força motriz que fazia a casa funcionar. Colocava sobre ele o fardo de sustentar pai, mãe e irmã; agora reluta em aceitar essa sua nova condição.

Na manhã da Metamorfose, Gregor deixa em todos uma sensação de inquietude ao se atrasar para o trabalho. Toda família tenta abrir a porta, trancada como de costume, e a porta se mantém intransponível. Como em cinco anos de exercício da profissão, ele nunca chegara atrasado para tomar o trem, seu gerente foi pessoalmente averiguar o que acontecera com Gregor. Quando se encontravam gerente, pai e mãe a frente da porta do quarto dele, eis que a então barata consegue, após inúmeros esforços, virar a chave e revelar a todos a sua atual forma.

Todos passaram a tratar Gregor de maneira diferente. Preferem mantê-lo preso em seu quarto, somente a irmã entrava em “contato” com ele. No começo, ela o alimentava e abria a janela do quarto, habitado pela barata; não havia, salvo raras exceções, um contato direto entre irmão (barata) e irmã, ele preferia se esconder e ela, ao que tudo indica, também gostava dessa condição.

O conto de Kafka condena as relações humanas dentro do capitalismo. O pai, violento, opressor, usava de sua força para agredir Gregor. A irmã ajudava o irmão para se sentir útil e ganhar uma posição de maior importância na dinâmica familiar. A mãe desmaiava quando em contato com Gregor; com asma, fazia o papel de vítima nessa família, na qual um dos membros foi aos poucos literalmente abandonado por não ter mais utilidade.

A família explorava o caixeiro-viajante; a partir do momento em que ele se torna um inútil na sociedade, é esquecido e sua morte é até mesmo sentida como um alívio. Ao se tornar um ser estranho à sociedade, uma barata, Gregor Samsa passa a ser perturbador simplesmente pelo fato de não se encaixar no sistema. É um inútil, não produz, só come e anda pelas paredes. Ele é um produto da sociedade. Sendo caixeiro-viajante para honrar uma dívida de seu pai, ele é também um escravo, preso nesse trabalho que poderia muito bem ser exercido por seu próprio pai. Com sonhos individuais e outros que envolviam sua família, ele era um homem de bem, não explorava e nem oprimia a ninguém, cumpria sua função e ainda encontrava tempo para se preocupar com o próximo. A sociedade cheia de interesses acabou por torná-lo um ser rastejador, incompatível, desajustado por não jogar o jogo conforme as regras desse capitalismo feroz.

Sua auto-entrega reside no fato de se dedicar quase que inteiramente a sua família, sendo exceção numa sociedade onde o egocentrismo impera. Não tem como se auto-afirmar, pois é rebaixado a nada, a um ser repugnante, estranho a todos os outros e incompatível com a sociedade.

sábado, 25 de outubro de 2008

Mass Media - Industria Cultural

Mass Media – Indústria Cultural

Robert K. Merton e Paul F. Lazarsfeld tomam o conceito de “mass media” como ponto de partida de seu artigo, adeptos da corrente funcionalista norte-americana, eles defendem a idéia de que a mídia tem um papel importante no meio social de um sistema. Com isso, o “mass media” gera grandes preocupações em torno da questão social. Temendo a ubiqüidade e o poder em potencial desses meios, a perda do senso crítico e a entrega ao conformismo, como também a deterioração dos gostos estéticos e culturais da população, os autores fazem uma analise crítica desse fenômeno.

Já Adorno aborda o mesmo tema, mas de forma diferenciada, mudando o nome do conceito (mass media) para “indústria cultural”, termo esse criado por ele e Horkheinmer em 1947. “Indústria cultural” pois a antes chamada cultura de massas pode soar como se surgisse espontaneamente do povo, contrariando assim todo o conceito dessa definição.Para ele, essa veiculação da cultura é algo verticalizado, cumprindo um movimento que vai de cima (poderosos) para baixo (povo), tendo o consumidor como apenas um objeto e a cultura como fonte de lucro.

Adorno coloca a mídia como importante ferramenta de controle social, essa “cultura” que é dada as massas funciona como uma espécie de estribo, de modo a condicionar o povo a um conformismo e manter a ordem estabelecida. Quem possui o controle desses veículos sabe canalizar as informações seguras e necessárias que podem e devem ser dadas. A “indústria cultural”, funciona como mecanismo de manutenção da estrutura sócio-cultural vigente, não criando nada de novo, somente canalizando os modelos já estabelecidos e apontando-os nas direções desejadas. Merton e Lazarsfeld explicitam essas idéias em seu artigo, Adorno também mostra que o que é veiculado está diretamente ligado com o status-quo, incluindo a seguinte citação em seu artigo: “ tu deves submeter-te”.

Sendo Adorno marxista, seu texto é carregado de críticas ao sistema e aos meios de comunicação atuantes. Merton e Lazarsfeld apresentam um texto mais descritivo a respeito do fenômeno do “mass media”. Até na forma de escrever essas diferenças podem ser facilmente notadas, enquanto Merton e Lazarsfeld possuem um discurso acadêmico e técnico, Adorno adota um discurso mais livre e crítico.

Hiroshima: uma brilhante reportagem.

235 1 236 141 92 1
U + n → U → Ba + Kr + 3 n ∆E = -2x 1010 kJ/mol
92 92 56 36

Essas letras e números não dizem absolutamente nada para muitos, mas foram elas que deram origem a outros números importantes para a história da humanidade. Cem mil mortos e cem mil feridos na cidade de Hiroshima, resultado monstruoso da fórmula que abre o texto. A fissão atômica em conjunto com seu resultado não retrata a experiência vivida por aqueles na cidade, somente seus depoimentos podem ilustrar esse acontecimento. Foi exatamente isso que o repórter John Hersey fez em sua reportagem especial para a revista The New Yorker, colheu depoimentos de alguns sobreviventes para recontar a tragédia. Hiroshima ocupou uma edição inteira da revista, mais tarde se tornou essa grande obra do jornalismo literário.

Hersey foi à Hiroshima um ano após a experiência atômica, ouviu o depoimento de seis sobreviventes da Bomba A, os chamados hibakusha (nome dado aos sobreviventes do bombardeio), entre eles, dois médicos, um sacerdote, um pastor, uma jovem de vinte anos e uma viúva com três filhos. Esses relatos traduzem de forma mais humana todos os fatos subseqüentes ao lançamento da bomba, dessa união da firmeza dos números com o discurso dos sobreviventes nasceu uma das mais aclamadas obras do “new jornalism”. “Hiroshima” se completa anos depois desses depoimentos, quando o autor volta à cidade para ouvir de seus entrevistados como foram os últimos 40 anos.

Na primeira parte ocorre uma minuciosa descrição do que cada um dos seis faziam até as oito e quinze da manhã (horário da explosão). Quando tudo se tornou branco e o pesadelo começou na cidade de Hiroshima. A partir desse momento começa o retrato da luta contra um inimigo desconhecido, até então ninguém sabia o que estava acontecendo. Só se via morte por todos os lados e, entre os mortos, milhares de feridos clamavam por socorro. Os números mesmo frios são impressionantes, 25% das vítimas sucumbiu às queimaduras, outros 20% aos efeitos da radiação, 50% morreram devido a ferimentos diversos. Alvos de uma experiência nuclear os hibakusha não tinham a menor idéia do que estava acontecendo, muitos achavam que se tratava de um ataque incendiário, ninguém tinha noção de que fora lançada sobre eles uma bomba inédita até então. Cobaias de um experimento nuclear essas pessoas penaram durante os anos seguintes para reconstruir suas vidas a partir das cinzas de uma Grande Guerra. A radiação não deixou somente feridas visíveis, a vida dos hibakushas jamais seria a mesma.

O autor ao voltar encontrou uma cidade completamente diferente daquela que deixara em 1946, Hiroshima agora estava reerguida e moderna. Seus confessores também se encontravam em situação diferente. É ao redor dos acontecimentos dos 40 anos passados que a obra se completa. Hersey procurou focar como esses hibakusha passaram esse longo período. Narrando os acontecimentos mais importantes da vida deles o autor retrata todas as dificuldades enfrentadas, problemas de toda sorte, físicos, mentais, financeiros, sociais e familiares. O pano de fundo nessa segunda parte é o avanço das pesquisas atômicas em diversos países, bem como a evolução da questão atômica no Japão e Estados Unidos. Episódios na vida dos seis ilustram de maneira brilhante toda a repercussão do ocorrido e como esse fato jamais deve ser esquecido.