sexta-feira, 20 de março de 2009

Coletivo Intervozes divulga nota contra a criminalização dos movimentos sociais na mídia

Retirado do sítio http://www.intervozes.org.br/

Criminalização das lutas sociais: um padrão de cobertura da mídia brasileiraEntre o final de fevereiro e início de março, a mídia corporativa iniciou mais uma campanha contra o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Telejornais, jornais impressos, revistas, rádios e sites da internet pertencentes aos grandes conglomerados de mídia dedicaram-se a difundir sua indignação com os agricultores sem terra. As colunas de muitos articulistas e, especialmente, os editoriais destes veículos, transformaram-se em verdadeiros canais destiladores do preconceito e da ira.
Duas matérias veiculadas em seqüência no domingo (01/03) por um dos principais programas da TV Globo, o Fantástico, demonstram o grau de sofisticação desta campanha ideológica. Uma matéria mostrava um beneficiado pela reforma agrária tentando vender um lote que conquistou; a outra abordava o desmatamento promovido em um assentamento na Amazônia. Em meio a um turbilhão de denúncias contra o MST, seria mera coincidência a exibição de duas matérias expondo as contradições da reforma agrária – feita de forma incompleta e improvisada pelo Estado brasileiro – em um dos programas de maior audiência da TV brasileira, ainda que sem citar nominalmente o movimento? Certamente não.
A campanha da mídia é uma das muitas facetas do processo de ataque em curso contra o MST. No Rio Grande do Sul, este processo de perseguição é encabeçado pelo promotor do Ministério Público gaúcho Gilberto Thums e pela governadora Yeda Crusius (PSDB), que juntos ordenaram o fechamento de escolas do MST no início do ano letivo de 2009. Tal campanha se alimenta também das declarações da conservadora União Democrática Ruralista (UDR), do secretário de Justiça do Estado de São Paulo, Luiz Antonio Marrey, e, sobretudo, do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Gilmar Mendes.
Causa espanto observar o maior chefe da Justiça brasileira aderir sem pudores à militância e ao discurso ideológico da direita brasileira. Ele cobra agilidade nas investigações dos recursos públicos destinados aos sem terra. Tal atitude, contudo, não foi verificada quando grandes empresas e fazendeiros, também beneficiados pelo dinheiro público, estiveram envolvidos direta ou indiretamente com a morte de centenas de trabalhadores rurais, sindicalistas e missionários, com a contaminação e destruição do meio ambiente, o trabalho escravo e o infantil, a expulsão de comunidades tradicionais de suas terras, a grilagem, a corrupção de políticos e de funcionários públicos. Não podemos esquecer também da benevolência e tratamento dispensado ao banqueiro Daniel Dantas, por duas vezes preso e por duas vezes solto pelo mesmo STF. Mais espanto ainda causam os meios de comunicação ao cobrir de forma acrítica as declarações de Gilmar Mendes.
Estas articulações políticas conservadoras, às quais os grandes grupos de comunicação brasileiros estão historicamente ligados, tornam estes veículos incapazes de refletir os problemas do povo brasileiro. Todos os espaços dedicados às denúncias contra o MST tratam o tema como um caso de polícia, mas não há uma reflexão mais profunda sobre a questão agrária no Brasil, que aborde os sem terra como um problema social, herdeiros de uma dívida histórica do Estado brasileiro.
Não se fala que nosso país é o segundo, em todo o mundo, em concentração de terras. Não se fala que em um país com uma infinidade de terras férteis, milhares de brasileiros continuam a ser expulsos do campo, enquanto outros milhões ainda padecem de fome.
Não se fala que os sem terra têm nas ocupações um método de luta social para fazer avançar a reforma agrária. Não se fala que uma medida provisória que impede o repasse do Estado a cooperativas agrícolas ligadas a movimentos que ocupem terras tende a punir, na verdade, cooperados e assentados que já estão nas terras, além de atravancar o processo de reforma agrária e prestar um desserviço aos interesses do país, por impedir o desenvolvimento dos assentamentos.
Não se fala, também, que é ao redor da monocultura das grandes propriedades que se concentram as áreas de maior índice de violência no campo, fazendo do agronegócio o grande gerador de conflitos e mortes no meio rural. Por outro lado, o mesmo agronegócio, financiador assíduo da grande mídia, é exaltado como modelo de desenvolvimento.
Tão importante quanto apurar os responsáveis e circunstâncias da morte de quatro pistoleiros a serviço de fazendeiros é não deixar de noticiar e de se apurar devidamente as dezenas de mortes de sem terra, de indígenas, de quilombolas, de lutadores da reforma agrária e dos direitos humanos no campo brasileiro. É importante saber também por que as contradições da reforma agrária são tão exploradas e atacadas, e pouco se fala dos problemas gerados pelo modelo de monocultura, pela grilagem de terras, pelas milícias dos produtores rurais, pela destruição do nosso ambiente ou pela violência que reina no interior do país a mando de grandes fazendeiros.
Nós do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social acreditamos que isso acontece porque a mídia não é democrática no Brasil. Porque a comunicação no país hoje está em mãos de pouquíssimos grupos privados, cada vez mais poderosos. Porque esses grupos não possuem ligação com o povo brasileiro, com seus interesses, objetivos, sonhos e esperanças. Para nós, a luta do povo brasileiro por seus direitos não pode mais ser criminalizada, nem pelos meios de comunicação, nem pelo Estado. Deve, ao contrário, ser entendida como uma necessidade histórica de transformações sociais há muito esperadas e adiadas em nosso país.
Infelizmente, os meios de comunicação têm se mostrado incapazes de promover uma reflexão aprofundada e um debate democrático, a partir de múltiplas visões, sobre a estrutura agrária e o modelo de desenvolvimento do país. A todos aqueles que desejam ver no Brasil uma verdadeira democracia, deixamos o convite para engrossar as fileiras do movimento pela democratização das comunicações no país – que em 2009 vivenciará a primeira Conferência Nacional sobre o tema.
Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social
Março de 2009

terça-feira, 17 de março de 2009

Evo Morales distribui terras

No último dia 16, o presidente boliviano Evo Morales repassou 34 escrituras de fazendas consideradas improdutivas. Assim, em "território inimigo", na elitista Santa Cruz de la Sierra, direto da fazenda de um ex-proprietário americano, Evo, em ato solene, declarou: "Hoje é um dia histórico. A partir de agora estamos começando a por fim ao latifúndio e à escravidão dos (índios) guaranis"

A reforma agrária foi possivel após aprovação de mais de 60% da população à nova Constituição do país. Agora o tamanho das propriedades é limitado por lei e, segundo o presidente: "aqueles que não estão interessados na igualdade devem mudar sua forma de pensar e se concentrar mais nas necessidades do país do que no dinheiro".

Por aqui, tal reforma caminha a conta-gotas e parece ter sido esquecida pelo governo Lula. Justo o PT, que sempre levantou essa bandeira, agora assiste seu vizinho distribuir terras e comprar briga com a elite boliviana. No Brasil, embora os "bolsas família" aproximem o Estado das camadas mais pobres, o governo jamais rompeu com os grandes proprietários do campo e assim realiza uma reforma agrária que mais parece uma ilusão. "Distribui" terras através de processos que levam anos.

O lucro gerado pelas monoculturas de soja, eucalipto, café, cana de açucar, arroz e milho faz o governo sorrir e manter o mesmo sistema colonial agrário-exportador. Assim, os territórios são extensos e concentrados na mão de poucos. Poucos, mas muitos políticos e donos de veículos de comunicação. Não por acaso a grande mídia prefere se ausentar do debate sobre o sistema agrário brasileiro - haja visto que os veículos nacionais, verdadeiros feudos, pertencem à grupos intimamente ligados ao latinfúndio. Com isso, fazem linha de frente na guerra da comunicação, constantemente criminalizando movimentos sociais que lutam no campo pela reforma agrária e por uma economia menos exploratória e mais solidária.

Rio 2016?!


Estava zapeando na TV e uma propaganda me chamou atenção: "Rio 2016, apoie essa idéia" (ou algo parecido). Diversos "trabalhadores comuns" praticando esportes em seus ofícios, todos obviamente felizes. Professora jogadora de basquete e mais vários outros personagens - só lembro de um - o negócio não deve ser muito bom. Mas o ponto chave, que me levou a distrações naquele momento, foi quando o narrador convocou o público para "apoiar essa idéia". Falou ainda que as Olímpiadas trariam oportunidades, empregos. Assim, todos deveríamos dar apoio, pois traria "progresso" ao país.

Qualquer um com um mínimo de memória e bom-senso deveria se sentir insultado com esse convite do narrador. Apoiar a idéia? E o Pan-Americano 2007 no mesmo Rio de Janeiro, um sucesso? Caso pense que foi uma experiência positiva, atenção! Sua memória está um tanto seletiva demais ou teve informações de menos. O que marcou aquele evento esportivo foram os números nas páginas policiais: total de 44 mortos no Complexo do Alemão, comunidades inteiras despejadas aos redores da "Vila do Pan" e centenas de ambulantes perseguidos e presos.

Uma ação específica, mais conhecida como "Massacre do Complexo do Alemão", envolveu mais de 1350 policiais e deixou um saldo de 19 mortos. Entre os 1350 "homens da ordem", que sitiaram a região por dias, estavam 1200 policiais civis e militares, além de 150 homens da Força Nacional. É, sitiaram a favela. O Estado de fuzil na mão. O ocorrido chamou atenção do mundo e foi notícia em veículos como: El País, Washington Post e BBC.

Segundo nota publicada pela OAB-RJ (Ordem dos Advogados do Brasil), 11 civis não ligados ao tráfico de drogas foram mortos pela polícia. Ainda de acordo com a OAB e também com a SEDH (Secretaria Especial dos Direitos Humanos) , existem indícios de execuções sumárias na ação militar. Foi sujeira pra todo lado e o pobre pagou com a vida.

Isso já é costume no Rio, nas vésperas de eventos e datas comemorativas a "Caveira" (BOPE) sobe mais o morro e faz suas vítimas. Ainda tem gente que aplaude tal "limpeza social" praticada nas favelas cariocas. Não precisamos ir longe para sermos testemunhas de ações onde o Estado é o principal violador dos direitos humanos. E muitos apoiam eventos desse porte no Brasil, fazem vista grossa para o prejuízo social causado no país, batem palmas para a Ordem e acabam comprando falso Progresso. São os mesmos que viram Tropa de Elite (operação papa) como mais um Rambo da vida e elevam Capitão Nascimento ao status de herói.

Para aqueles que ainda querem exercitar ainda mais a memória, os capitães nascimento de hoje são os mesmos capitães do mato de ontem. Ambos matam pobres e negros em nome da "Segurança Pública", mas na verdade só semeiam medo e insegurança. Assim, o Estado, para garantir uma boa festa aos turistas, cumpre a agenda de criminalizar o pobre e exterminá-lo como doença - verdadeira higienização social.

Vale lembrar que mais de 1 bilhão de reais saíram dos cofres públicos para a realização do evento. A sociedade pagou e a polícia matou. E ainda existem milhares de brasileiros que apoiam a idéia Rio 2016 ou até mesmo a Copa do Mundo Brasil 2014. Imaginem, Copa do Mundo acontece em diversas cidades, será que o terror será espalhado e os "homens da ordem" voltarão a agir?


Rio 2016, Brasil 2014 - NÃO apoie essa idéia!

a seguir links de duas entrevistas concedidas ao Correio da Cidadania, que trazem mais informações sobre o ocorrido no Pan:

Criminalização da pobreza

Texto para refletir sobre as recentes desapropriações que aconteceram em São Paulo e também sobre os fatos ocorridos no Pan 2007, nas Olímpiadas 2016, na Copa 2014 e no seu cotidiano. retirado de: http://www.adital.com.br/

Renato Prata Biar *
Adital -

O medo sempre foi utilizado durante toda a história nos mais diversos lugares e civilizações como um forte pretexto para que se justificasse, legitimasse e se naturalizasse certos comportamentos, doutrinas, leis, punições violentas, desumanas e cruéis. Um bom exemplo é a Idade Média e o seu período da Santa Inquisição com a caça às bruxas, aos hereges, etc. que, não muito raro, acabavam queimados vivos na fogueira. Porém, quero aqui me utilizar apenas do Brasil como exemplo de uma sociedade que também passou e ainda passa por esse périplo.
No Brasil, os primeiros a serem apontados como pessoas dignas de se sentir medo foram os índios. Estes, além de serem denominados como selvagens, assassinos impiedosos e canibais (vide o filme do "exemplar" católico, Mel Gibson: Apocalipto), ainda foram taxados pelos europeus de preguiçosos, avessos ao trabalho e, por muito tempo, não eram considerados como seres humanos, pois achavam que eles não tinham alma. Ou seja, eram tidos como criaturas perigosíssimas e que impediam a implantação de uma sociedade civilizada e justa, segundo os padrões europeus de civilização e justiça. Resultado: um genocídio "legítimo" e necessário para o bem e o progresso da humanidade.

Após o extermínio de quase todos os índios, surge o negro africano.Os negros, porém, ao contrário dos índios, eram considerados bons para o trabalho desde que os castigos, as torturas, os açoites e os assassinatos cometidos contra eles, pelos seus respectivos donos e senhores, fossem sempre muito bem aplicados no sentido de lhes mostrar quais eram as suas funções e o seu devido lugar numa sociedade escravista. Aliás, sociedade esta que via no trabalho algo totalmente aviltante e desprezível, sendo por isso considerada uma atividade a ser exercida apenas por seres inferiores, ou melhor, por seres mercadorias (os negros) adquiridas como propriedade privada para esse ignominioso fim: o trabalho. Aqui, o negro rebelde, fujão, revoltado e, mais ainda, os grupos de negros que se organizavam para reivindicar e lutar por sua liberdade eram aqueles que deveriam ser temidos, combatidos e mortos para mais uma vez dar lugar à manutenção de uma sociedade justa, pacífica e ordeira.
O medo de que os levantes e as revoltas levassem os "cidadãos de bem" daquela época a perder a sua fonte de produção e acumulação de riqueza, suas regalias e privilégios dentro de um regime escravocrata, foi um fator determinante para que a utilização e a invenção de novos métodos de punições, leis e doutrinas de natureza covarde, violenta e desumana fossem aplicadas para a manutenção do status quo e dos bons valores morais e éticos daquela sociedade.
No entanto, como o modo de produção escravista era incompatível com o modo de produção capitalista industrial que já estava consolidado na Europa e, principalmente na Inglaterra, a escravidão sucumbiu para dar lugar ao denominado trabalho assalariado ou livre. Concomitante a esse processo de transformação que ganhou o mundo, surgem também os novos "algozes" da sociedade baseada na produção de mercadorias e no lucro extraído do trabalho excedente: o proletariado ou, simplesmente, a classe trabalhadora. Porém, para exercer o controle sobre estes, tornou-se necessário a dinamização de um aparato mais sofisticado e eficaz para vigiar e punir (como dizia M. Foucault) essas novas ameaças à nova ordem vigente: a polícia. A instituição policial, vigilante e ostensiva 24 hs por dia é uma peculiaridade de um sistema onde a riqueza está materializada na propriedade privada dos meios de produção, na mercadoria e no dinheiro como fim em si mesmo. Sendo assim, é extremamente importante, para um sistema como esse, garantir a segurança total e ininterrupta dos locais onde ficam armazenadas esses tipos de riqueza, para evitar e combater o roubo, o furto, quebra-quebra, etc. Dentro deste novo quadro, os "escolhidos" para serem os mais temidos, indesejáveis, perigosos e que mais oferecem riscos a esse novo modelo de sociedade serão aqueles que não conseguem ou simplesmente se recusam a se submeter a essa nova ordem do trabalho: os desempregados, os mendigos, ociosos, etc. Para "oficializar" os novos inimigos da sociedade moderna a denominação para esses irá variar: vadios, malandros, pilantras, vagabundos e por aí vai... Mais uma vez a repressão, a coerção, a criminalização, o encarceramento e o extermínio desses "marginais" foi apontada como a solução para resolver essas graves ameaças à ordem, ao progresso do país e aos cidadãos de bem.
Nos tempos atuais, o malandro já não existe mais, e o vadio... bem, como identificar e julgar alguém como vadio se 60% dos trabalhadores hoje em dia estão na informalidade, ou seja, não têm carteira assinada (a falta da carteira de trabalho, há alguns anos atrás, já caracterizaria crime de vadiagem)? Isso sem contar que o número de pessoas desempregadas e sem ao menos uma ocupação é simplesmente alarmante. Como, numa situação como esta, encontrar justificativas para continuar a exercer medidas de repressão e coerção sem que o Estado seja acusado de injusto, autoritário ou despótico? A solução, embora pareça complexa, foi muito simples: criminalizar a pobreza, principalmente aqueles que moram nos morros e favelas. Mas para que isso ganhasse um ar de legitimidade e legalidade a estratégia não foi de criminalizar o pobre pura e simplesmente, mas de associar o local onde ele habita ao terror imposto por um novo e moderníssimo grupo de selvagens, assassinos cruéis e sanguinários: os traficantes de drogas. A figura do traficante nessas localidades é o que permite que se exerça essa política de invasão e de extermínio, mesmo quando se sabe que ali funciona apenas uma parte do tráfico. E digo "parte" porque o tráfico não se inicia e nem termina nessas comunidades, é preciso ter bem claro que não se produz nem drogas e muito menos armas naqueles locais, e que a enorme quantidade de dinheiro que se arrecada nesse comércio da venda de drogas não fica embaixo do colchão do dono da Boca. O traficante é, portanto, o álibe que o Estado, que representa a classe dominante, tanto ansiou por encontrar para por em prática os seus mecanismos de manutenção da ordem, da disciplina e dos valores de uma burguesia caricatural, patética, incompetente e estúpida que se quer conseguiu forjar uma identidade própria e, se antes sonhava em ser européia, hoje sonha em ser estadunidense.
Apenas para concluir, o tráfico serve para justificar, legitimar e reproduzir a criminalidade da pobreza sendo, por isso, "permitido" que se refugie nos morros, favelas e periferias. Ser pobre num sistema capitalista e neoliberal é ser ilegal. Daí o tráfico, atividade ilegal, ter o seu refúgio na pobreza. Deixá-los armados e provocar confrontos constantes com essa minoria armada, concretiza a imagem de alta periculosidade e selvageria a todos aqueles que ali residem, naturalizando o consenso de que não há outra forma de combater o crime senão pelo enfrentamento e a execução desses bandidos. E mesmo quando os assassinados são comprovadamente inocentes, ouvimos o secretário de segurança ou o próprio governador dizer que isso foi um "efeito colateral". Quem sabe não devemos ressuscitar aquele debate que houve entre Sepúlveda e Las Casas sobre se os índios tinham alma ou não, e discutirmos agora se o favelado é gente, coisa ou animal.
Publicado pela Rede de Comunidades e Movimentos Contra a Violência. Enviado pelo Observatório das Violências Policiais, São Paulo

terça-feira, 3 de março de 2009

Berlusconi e o aumento do Estado - "ronda de cidadãos"

Há cerca de 10 dias, o primeiro ministro italiano, Silvio Berlusconi, estabaleceu através de decretro a "ronda de cidadãos". Consiste em patrulhas civis onde ex-militares e policiais aposentados farão rondas pelas cidades, sem armas. O controle dos bandos ficará a cargo de cada prefeito. Tal medida foi tomada de maneira unilateral - sem passar por votação do Congresso. O decreto de emergência aumenta as sentenças por estupro; estabelece prisão perpétua para ataques sexuais que resultarem em morte; acelera os julgamentos relacionados a esses delitos; retira a possibilidade de prisão domiciliar e liberdade condicional para agressores; e oferece ajuda legal gratuita às vítimas.

Ele já entrou em vigor e será submetido às duas Câmaras do Parlamento. Deve passar com facilidade, dada a maioria de Berlusconi no Legislativo. E por que a emegência das medidas? A resposta de Berlusconi, como de qualquer outro governante que busque inflar o poder do Estado (seu poder) e quase totaliza-lo, é: aumentar a segurança. É claro que o decreto teve total apoio da Lega Norte (partido xenófobo e protecionista).

E quem seriam os terroristas que fizeram com que o Estado italiano passasse a vigiar mais de perto seus cidadãos? A resposta, como em qualquer governo fascistizante, é óbvia: os estrangeiros ilegais. Mas então o senhor Berlusconi está nos dizendo que a imensa maioria dos estupros foram cometidos por não italianos. Sim, os últimos casos de estupros foram ligados a grupos estrangeiros, veja bem, ligados, mas não confirmados. Ora pois, nesse Estado policial não seria o decreto uma nova medida para controlar os estrangeiros? Vide "Era Bush" e o aumento do poder do Estado em detrimento das liberdades individuais, vividos por causa da "guerra ao terror". Ou até mesmo no ínicio da proibição da maconha, que nos EUA serviu de argumento para perseguir mexicanos. Ou Hitler com os judeus. Ou Sarkozy e seus aviões lotados de imigrantes enxotados da França. Todas medidas para combater minorias em nome da segurança pública - papo furado para cumprir outros interesses.

Isso fica claro ao cruzarmos esse decreto com outras medidas tomadas pelo governo italiano contra imigrantes. Entre elas: um projeto de lei que permite aos médicos denunciar estrangeiros em situação irregular e outro que prevê pena de até 4 anos para os ilegais que não obedecerem à ordem de expulsão. Agora, ser clandestino é um crime. Silvio Berlusconi já se referiu aos imigrantes ilegais como "exército do mal" e desde seu primeiro discurso põe lenha na xenofobia européia.

Nada melhor do que, em meio a crise, espalhar medo e insegurança em seu território. Nada melhor para Berlusconi, é claro. Cidadãos com medo fazem coisas terríveis - elegem Hitler, Mussolini, Bush e Sarkozy. Silvio já cumpre seu terceiro mandato como primeiro-ministro, sempre buscando aumentar seus poderes e fabricando inimigos - vá perguntar a um romeno como está a vida na Itália. Em 2008 foi realizado um censo para fichar os chamados "romas" (imigrantes romenos) e expulsar os ilegais. Pois bem, a Itália é membro da União Européia, portanto tais imigrantes tem o direito assegurado de residir na "velha bota". Berlusconi não liga pra isso e a UE também parece não dar muitos ouvidos aos deputados romenos que acusam o governo italiano de xenofobia.

Essa guinada à direita mostra a insegurança do cidadão europeu que busca apoio no Estado, que por sua vez semeia mais medo. Para eles, é o estrangeiro que vai te tirar de seu emprego, não um governo incompetente ou especuladores financeiros que estouram bolhas por aí. Fica mais fácil dar uma cara ao "inimigo". Vira um ciclo vicioso, um teatro absurdo. Está para surgir um país que não tenha sido construído somente por nativos, pois todos somos descendentes de imigrantes. Em todas as árvores genealógicas existe alguém que mudou de território e buscou uma nova vida. Até hoje, o movimento de seres humanos no mundo é o que o faz girar.

Será que a insegurança econômica irá nos conduzir a um novo fascismo?
Olho neles!

Charge de Latuff - "ditabranda" Folha de S. Paulo


Manifesto contra "ditabranda" da Folha de S. Paulo

Ante a viva lembrança da dura e permanente violência desencadeada pelo regime militar de 1964, os abaixo-assinados manifestam seu mais firme e veemente repúdio a arbitrária e inverídica revisão histórica contida no editorial da Folha de S. Paulo do dia 17 de fevereiro de 2009. Ao denominar ditabranda o regime político vigente no Brasil de 1964 a 1985, a direção editorial do jornal insulta e avilta a memória dos muitos brasileiros e brasileiras que lutaram pela redemocratização do pais. Perseguições, prisões iníquas, torturas, assassinatos, suicídios forjados e execuções sumárias foram crimes corriqueiramente praticados pela ditadura militar no período mais longo e sombrio da história polí­tica brasileira. O estelionato semântico manifesto pelo neologismo ditabranda e, a rigor, uma fraudulenta revisão histórica forjada por uma minoria que se beneficiou da suspensão das liberdades e direitos democráticos no pos-1964.
Repudiamos, de forma igualmente firme e contundente, a Nota de redação, publicada pelo jornal em 20 de fevereiro (p. 3) em resposta as cartas enviadas a Painel do Leitor pelos professores Maria Victória de Mesquita Benevides e Fabio Konder Comparato. Sem razões ou argumentos, a Folha de S. Paulo perpetrou ataques ignominiosos, arbitrários e irresponsáveis a atuação desses dois combativos acadêmicos e intelectuais brasileiros. Assim, vimos manifestar-lhes nosso irrestrito apoio e solidariedade ante as insólitas críticas pessoais e políticas contidas na infamante nota da direção editorial do jornal.
Pela luta pertinaz e consequente em defesa dos direitos humanos, Maria Victoria Benevides e Fábio Konder Comparato merecem o reconhecimento e o respeito de todo o povo brasileiro.

link para o abaixo assinado: http://www.ipetitions.com/petition/solidariedadeabenevidesecomparat/signatures.html