sábado, 1 de novembro de 2008

Gogol Bordello - Tim Festival São Paulo



Punhos cerrados, Fúria! Pulos ritmados, palmas, chutes ao ar! Alegria, Interação e Liberdade! Gogol Bordello!

Como não poderia ser diferente, na última sexta, dia 24, a trupe de imigrantes liderada pelo ucraniano Eugene Hutz entrou em sintonia com seu público e fez a arena montada no Ibirapuera tremer ao som do melhor do “gypsy punk”. É "punk cigano" mesmo, algo que combina elementos da música cigana do leste europeu com "punk rock", "dub", "reggae", "mambo", "rumba" ,"polca" e "tarantela" (último álbum). O espetáculo fica completo com a atmosfera circo/cabaré dos figurinos e atitudes do grupo. Tudo isso graças a miscelânea cultural que a banda reúne, uma verdadeira Torre de Babel, tem integrante da Ucrânia, Rússia (2), China, Etiópia, EUA, Israel e Equador. E como se não fosse suficiente, Eugene é "juntado" com uma brasileira e tem uma casa no Rio de Janeiro.

E a banda subiu ao palco, primeiramente, com seis integrantes. “Ultimate”, do álbum “Super Taranta” (2007), abriu o set, fãs adoraram, alguns perdidos, que não conheciam a banda, de início estranharam. O violão de Hutz e o acordeom de Yuri Lemeshev começaram dando o tom, então, os primeiros versos foram cantados e a questão político-existencial colocada. Para abrir o show e preparar o ambiente:

“If we are here not to do
What you and I wanna do
And go forever crazy with it
Why the hell are we even here? RÁÁÁ!”

“Se nós não estamos aqui para fazer
o que eu e você queremos
e ficar eternamente muito loucos com isso
Por que catso nós estamos aqui?? RÁÁÁ!”

Logo após o grito, todos os outros instrumentos somaram-se ao violão e acordeom, a casa foi abaixo! Pulos, gritos, energia! Interação entre palmas, bater dos pés, vozes e instrumentos. Tudo uma coisa só, um show orgânico, festa! Nessa altura, até aqueles que estavam estranhando aquele bigodudo, magricelo, de estilo debochado e seus companheiros nada convencionais, agora já faziam parte do show, contagiados, não tiveram escapatória.

Em seguida, a banda já emendou “Sally” do álbum “Gypsy Punk Underdog World Strike” (2005). A garota da letra, Sally, também fora conquistada pelo espírito cigano, mas através de um objeto deixado para trás pelos andarilhos. Então, assim como no Ibirapuera, na noite de sexta, “Cultural revolution Just begun” (revolução cultural acabou de começar)! É foda, interação, dialética, superação! Palco x platéia, platéia x palco! Individuo na platéia x individuo na platéia! Instrumentos x instrumentos! Todos os elementos combinados harmoniosamente em ação, reação, atingindo a superação dos padrões musicais, éticos, políticos e culturais! E era gente de todas as idades, tanto no palco quanto no chão, convivendo com respeito, sem certa estupidez que costuma ser recorrente nos shows de "punk". Pô, experiência que transcende a matéria, não pode ser apontada e, muito menos, entendida pontualmente, só entendemos o show se pensarmos todos os elementos envolvidos, pois o que fica no ar, o que nosso cérebro capta, é justamente isso, a freqüência (espírito) que uniu diferentes culturas naquela noite. A empolgação das rodas de pogo, das palmas, dos pés e chutes, vibração furiosa. Por isso, a plena compreensão nunca virá através da racionalidade, mas sim da captação, da sensação, do conflito harmonioso da sua existência com a música e todos os presentes, isso, caro leitor, só quem tava lá sabe o que é. Nesse ponto, uma resenha de cunho jornalístico torna-se inútil, demasiado racionalista. Devia escrever um poema, uma música ou simplesmente pegar esses elementos gráficos (palavras) e combiná-los de forma espontânea, só seguindo as sensações deixadas pelo enorme organismo que tomou conta do Tim Festival, dia 24. Assim, seria possível estender uma ponta daquilo tudo para essas páginas. Tal necessidade explica a não convencionalidade dessa resenha. Show atípico, resenha atípica, ora pois!

Música - Fúria – punhos cerrados – pés ao chão – pogo – gritos - protesto – pulos – alegria – interação – questionamentos – revolução – cores – festa – alteração da consciência – expansão dos horizontes - libertação - liberdade!

Isso foi o show! Ta bem, mais um pouco de amarras jornalísticas: Em sua apresentação, o grupo mesclou os dois últimos álbuns. A terceira música foi “Not a Crime”, baseados subiram, e manteve o pessoal no ritmo frenético do "gypsy punk" até cair aquele grave do dub, então tudo ficou mais lento, fumaça na mente e o ritmo penetrando, até que, BOOM! Explosão! A galera cai matando no palco e o público cai no pogo alucinante.

A performance no palco preserva o ar debochado dos integrantes, mas se mantém quase que impecável durante todo o tempo. Tudo muito bem ensaiado, quase um número circense que só ficou completo quando as duas backing vocals/dançarinas/instrumentistas (uma no prato e outra no tambor) subiram ao palco. Ambas chinesas e com uniformes de ginástica, baby look e shortinho(pra delírio da cuecada), do Santos FC (seguindo a linha das apresentações desse ano). Mas por que o Peixe?? Ta certo, o time é bi-mundial e bem conhecido lá fora, mas o que o Gogol Bordello tem a ver com isso? Pergunta que fica no ar. São elas que dão os gritos estridentes de “Never Young”, transmitindo como nenhuma palavra o que Eugene passou quando jovem, de embaixada em embaixada, acampamento em acampamento, cigano na vida, mão de obra barata, visto cheio de preconceitos pelo conservadorismo europeu e super-explorado no trabalho. Então, aconteceu a libertação através da música:

“I was sculpted to be overworked and silent
But since the early ageI broke out of the cage
And learned how to make marching drums
From a fish can”

"Fui esculpido para trabalhar além da conta em silêncio
Mas desde cedo eu quebrei a jaula
E aprendi como fazer tambores em marcha
Em uma lata de peixe"

Tambores em marcha, força! Essa história de vida, os gritos e os instrumentos em ritmo acelerado encontraram a platéia, que reagiu e rebateu com socos, chutes, pulos e gritos. A tal da interação.

Eugene correu de um lado para o outro, jogou vinho na galera, bebeu e cuspiu pra cima, um “show man” ligado no 220V. Acompanhando a empolgação, o violinista Sergey Ryabtsev, também mostrou que apesar de tiozinho, ta bem enxuto e correu, pulou, cantou, dançou e é claro detonou no violino.

Logo após a acelerada "Never Young", assim de sopetão, só tempo para poucos grunidos de Hutz, veio “Wonderlust King” – hit mais conhecido pelo grande público. Introdução feita com violão, voz e palmas da galera. Tudo sereno, até que, “But im a wonderlust king! I stay on the run! Let me out, let me be gone!” Libertação sentida no entoar de toda aquela sinfonia instrumental que foi lançada ao público após a introdução. A resposta: mais pulos, mais dança e gritos! Festa! Com direito a fã vestido de "Jack Sparrow" fugindo do roadie e dando um “mosh” na galera. E o melhor, mesmo sem querer, foi um pulo sincronizado com a música, interação, todos num só, música, músicos e platéia. Essa a galera cantou como nenhuma outra.

“Mishto” (Gypsy Underdog World Strike) veio logo em seguida, então todas as atenções se voltaram à parte instrumental. Ritmo mais lento do que o apresentado até então, do contrário ia ter gente enfartando. Tudo começa com violão e voz e vai subindo, entra o acordeon, mantém o ritmo cadenciado, então, um prato de condução mostra que a batera está por vir, toques na caixa são ouvidos e entram bateria, baixo e violino, sincronia perfeita. Essa é daquelas que o público sentiu lá dentro, pois mesmo quase toda instrumental e com letra em ucraniano, a platéia reagiu,lançou os braços ao ar, dançou um bocado, mas mais do que tudo, estabeleceu comunicação sem conhecer o idioma. Para acelerar, “60 revolutions”, alterando uma pegada parecida com o nosso forró e “punk rock”, foi prato cheio nas rodas de pogo. Na letra, alarmes são soados,czares derrubados e bares esvaziados – revolução, uma por segundo! Energia incrível!

Acabada a música, é o início de outra. Instrumental de “Starting Wearing Purple”, palmas marcando o ritmo. Essa era muito aguardada pelo grande público - trilha de “Uma Vida Iluminada", filme com Elijah Woods. Enquanto outros tocavam, Hutz entornava um belo vinho, direto do gargalo, é wearing purple/vestindo roxo no sentido "etílicomológico" de ser. E o vocal começa a cantoria: “Ela não gosta de mim, ela não gosta de mim, por que ela não gosta de mim?” – música do brasileiro Agepe. A galera foi ao delírio e ficou na expectativa, então Hutz manda: “Morena tropicana...oioioioi” de Alceu Valença. Aplausos! E chega a hora: “Start Wearing Purple!” – fãs delirantes e geral pulando, na maior alegria.

E chega o momento de pensar local, com “Think Locally, Fuck Globaly” - uma pegada mais puxada para o mambo com punk rock. É, o neoliberalismo ta aí, destruindo, massificando e coisificando diferentes culturas, tudo vira produto. Todos são submetidos às leis do mercado, escravos da "Era Moderna". Então, nada melhor do que unir-se a Hutz e gritar: Fuck Globaly! E foi isso que aconteceu, a casa veio abaixo com o já clássico. E, logo em seguida, para surpresa de alguns, rolou “Mala Vida” sucesso do “Mano Negra” (ex banda de Manu Chao), fechando a curta (cerca de uma hora), porém fenomenal, apresentação do Gogol Bordello aqui em São Paulo. E ainda, após agradecimentos, Eugene desceu pra falar com a galera e distribuir abraços. Festa!

Foi isso, algo demasiado espetacular para ficar preso ao jornalismo. Por esse motivo vemos resenhas porcas (como essa) a respeito do show, ninguém irá resenhar com precisão aquele imenso organismo que se formou naquela noite. Aquilo ficou lá, morreu no momento em que a “excelente” organização soltou a “sonzera” Vila Olimpia na Arena. Quem foi o imbecil que colocou essa puta show no meio daqueles DJs? Não sabiam que do Gogol iria nascer algo diferente de tudo que foi visto no festival? Não conheciam direito? Da próxima vez, um dia só de Gogol Bordello, ou talvez alguma bandinha de ska para aquecer os ânimos...fica a sugestão. Enfim, foi uma grande festa pela Liberdade.

El Pueblo en Armas - Cartaz para filme fictício


Contradição Neonazista



“A diferença entre a genialidade e a estupidez é que a genialidade tem limites”

Estupidez é falta de inteligência. O nacional-socialismo (nazismo) prega a supremacia da raça ariana. A sociedade brasileira é heterogênea, reunindo diferentes etnias em um mesmo território. A doutrina aplicada por Hitler na Alemanha nazista defendia a formação do III Reich, de modo a proteger e garantir o desenvolvimento pleno da raça perfeita, a mais pura e única com capacidade civilizadora. Tal raça, para os nazistas alemães, pode ser encontrada no norte da Europa e seria ela a imagem de Deus.

Hoje, os movimentos neonazistas que voltam a ganhar fôlego na Europa vêem os latinos, assim como os judeus, homossexuais, negros, árabes, curdos e demais etnias existentes, como inferiores, meio animais meio homens. Pretendem eliminar essas sub-raças e garantir a pureza racial para a posteridade. Só arianos podem se reproduzir, entre eles é claro, para não envenenar o sangue puro que carregam.

Tudo isso é muito distante, com um quê de absurdo. Porém, na madrugada do último dia oito, três jovens pertencentes ao grupo de “skinheads” denominado “Front 88” espancaram um rapaz e um cabo da PM que estava à paisana. O crime aconteceu na região central da capital paulista. Os três jovens começaram atacando o rapaz, provavelmente homossexual. O policial vendo a cena tentou intervir, tornando-se assim alvo dos “skinheads”. Contudo, essa não é uma situação tão distante do cotidiano desse país tão distante daquela Alemanha. A cada ano diversos casos de violência envolvendo grupos neonazistas são registrados em São Paulo e no restante do Brasil.

O nome Front 88 faz alusão ao “HH”, abreviação para “Heil Hitler”, uma saudação nacional-socialista alemã usada para exaltar a figura do “Fuhrer”, chefe do Estado. Vale lembrar que tal gangue é brasileira, portanto, com integrantes latinos. Inclusive, um dos criminosos possui a pele escura, é mulato, fruto de uma mistura étnica entre àqueles considerados inferiores. Sendo assim, o ato foi praticado por pessoas estúpidas que são contradições vivas da ideologia em que acreditam, isso sem entrar no mérito da falta de inteligência de ser nazista em qualquer lugar do mundo.

Essa ascensão neonazista, totalmente contraditória em terras tupiniquins, pode ser explicada, no contexto alemão, pela atual crise do sistema financeiro mundial. A queda dos EUA, a autodenominada locomotiva do capitalismo, combinada com a crise alimentar que assola o globo, deixa um cenário de incertezas e repúdio ao capital transnacional. Com isso, ultranacionalistas, entre eles os nazistas, encontram terreno fértil para difundir suas idéias. Mas, se autodenominar nazista em um país como o Brasil é provar que a estupidez não tem limites. Tanto que se membros do “Front 88” cruzarem com neonazistas alemães, serão os brasileiros o alvo da vez, a raça inferior e passível de extermínio.
charge de Latuff

Descrição - Mendigo

Casaco batido, roto e esverdeado, combina com as calças de semelhante tonalidade. Uma imagem desbotada, aquele ar urbano, ou melhor, é como se fosse um camaleão com disfunção na camuflagem. Mistura o verde original de suas roupas com o cinza natural da cidade. Resultado é esse: um ser desbotado, lembrança do que foi um dia. Hoje, sua cor e identidade originais já se perderam, foram engolidas pelo ambiente. Os mais desatentos podem confundi-lo com um milico saudosista, daqueles que tira a casaca do armário no sete de setembro ou em alguma outra celebração da pátria amada e sai aos prantos pela rua. Seu andar cadenciado e relaxado logo nos faz perceber, não se trata do tipo militar. O Brasil não foi sua “mãe gentil”. O abandono é estampado em seu rosto. Quando termina o casaco, subindo pelo pescoço, já da para notar a barba mal feita e a face escura. A cor da pele é negra, os pelos ralos e o acúmulo de sujeira escurecem ainda mais a sua figura. Traços fortes delimitam o rosto e um bigode singelo aparece se misturando à sujeira. O cabelo completa a personalidade, sujo, comprido e grudado, há anos deixou de ser cabelo e se tornou massa sebosa no alto da cabeça. Em meio a tantos borrões, é difícil distinguir as marcas da vida das da falta de higiene. Porém, seu olhar não engana. Quase sempre longe, amarelado, parece navegar conforme a maré. Vive na rua, um dia de cada vez, na maioria das vezes um entrando no outro. Realidade confusa, difusa, gestos para o nada e conversa com o ar. A sua luta é a sobrevivência, o resto “que se foda”. Já se entregou na batalha da vida, flutua nas caóticas vias que cortam a cidade. Assim, quase sempre fora de si, as horas passam. Cada vez mais o cenário toma conta de sua personalidade, gradativamente o cinza sobrepõe o verde e o sujeito se perde na monstruosa capital paulista. Pessoas passam e não o vêem, ele já faz parte do ambiente como um poste ou uma lata de lixo. Porém, se fosse objeto estaria bem, não passaria despercebido e cumpriria função social. Seu drama é não ser objeto. Ele é algo muito pior para a sociedade atual. Do tipo que a cidade engole e ninguém se dá conta, é um ser humano que não produz, descartável, um ninguém.

As vendas sociais e a crise alimentar



“Recordem que, por nossa incapacidade de ver, os movimentos do prestidigitador se convertem em magia”

Hoje vivemos a era dos acordos de livre comércio entre países. Na qual, reuniões fechadas de dezenas decidem o futuro de milhões. Os chamados países em desenvolvimento são os que mais sofrem com as medidas adotadas nesses acordos. A maior conseqüência é a sua devastação econômica em certas áreas. Aqueles que tiram sua subsistência do setor agrícola são os que mais sofrem. O México, membro do NAFTA (Tratado Norte Americano de Livre Comércio), é um exemplo de como o livre-comércio pode ser prejudicial à alguns setores da sociedade.

A crise alimentar chegou ao país esse ano, quando entrou em vigor a total liberalização da agricultura mexicana, caíram todos os tributos em relação aos produtos desse setor. Com isso, as organizações camponesas se viram obrigadas a concorrer diretamente com produtos americanos e canadenses. O resultado não poderia ser mais óbvio. Os EUA, que cultivam 179 milhões de hectares com subsídios que chegam a 21 mil dólares para seu "fazendeiro", acabaram inundando as prateleiras mexicanas com seus produtos. A concorrência é desigual, o México cultiva 27 milhões de hectares, com subsídios que chegam a 700 dólares para o agricultor.

Não há como vencer quando seu concorrente é a maior potencia mundial e pratica “dumping” em relação aos produtos de seu país. Do lado americano uma série de embargos continuam limitando as importações de produtos agrícolas mexicanos, a desigualdade é gritante. O cenário não poderia ser pior, o país que já sofria com a desigualdade social agora afunda em uma crise, na qual aqueles que ocupam os setores menos favorecidos da sociedade pagam a conta. Conta essa que acaba encoberta pela mídia, pois se encontra demasiadamente atrelada aos interesses capitalistas emergentes dos países concorrentes e do próprio México.

Assim, os contratos que traçam o destino de milhões acabam restritos às decisões de poucos, beneficiados com essa “livre-concorrência” desleal. A sociedade atual acaba adotando uma forma unilateral de tomar decisões, na qual, a sociedade civil não tem voz. Os mais prejudicados protestam, ninguém lhes dá ouvidos. O restante da sociedade escolhe continuar cego e em um estado de letargia. Só cumprem o seu dever de produzir capital, consumir mercadorias e vender imagens, enquanto a miséria se alastra ao seu redor, mas não bate à sua porta.

O destino dos camponeses acaba sendo decidido por “mágicos” que usam um truque muito conhecido, porém, cuidadosamente encoberto. O truque de fomentar a “livre-concorrencia”, na realidade protetora dos interesses de grandes potências mundiais, em mercados considerados fracos e sub-explorados. O espetáculo é bem montado, os “ilusionistas” obtêm uma enorme margem de lucro e distraem as populações com o seu show, o patrocinador é o capitalismo transnacional, a conta todos sabem quem paga.
ilustração retirada de: www.sinmaiznohaypais.org

Breve história da Imprensa: dos primórdios à lógica do Capital

O jornalismo é uma profissão relativamente nova, pois foi durante o século XVIII que passou a ser possível sobreviver economicamente da prática jornalística. Entretanto, a capacidade do homem de se comunicar e informar o seu semelhante data de milênios atrás. Os primórdios do jornalismo baseiam-se na comunicação oral, que exigia a capacidade de memorizar relatos épicos, genealogias, relações de bens e relatos míticos remetentes a fundação de um povo. Nesse contexto, encontra-se a Bíblia que começou como um relato oral e só foi passado para o suporte escrito a partir do século VIII a.C. Com o desenvolvimento da escrita e a criação de um alfabeto pelos fenícios, passou a ser possível gravar mensagens em suportes sólidos. O alfabeto então foi adaptado pelos romanos, árabes e hebreus. Os romanos possuíam uma publicação regular durante o império, as Acta Diurna, que traziam fatos diversos, notícias militares, obituários, avisos e ordenamentos do império. Essas Acta Diurna eram colocadas no espaço público sobre murais, e podem ser consideradas o primeiro jornal regular que se tem notícia. A imprensa como conhecemos só seria possível séculos mais tarde, pois nos primórdios do jornalismo ainda não era possível reproduzir diversas vezes uma mesma publicação.

A história do jornalismo moderno confunde-se com a ascensão de uma nova classe social, a burguesia. Essa nova classe, basicamente formada por comerciantes e profissionais liberais, possuía boa parte do capital, mas não tinha o poder político. Foi através do comércio organizado que a burguesia ascendeu. Com o primitivo capitalismo financeiro e mercantil que a partir do séc. XIII se expande dos Estados do Norte da Itália para a Europa ocidental e setentrional, se formaram as feiras comerciais, que dariam lugar aos mercados. Esse comércio incipiente tinha a necessidade da troca de informações comerciais, que eram transmitidas através de cartas comerciais.

Práticas do capitalismo financeiro já eram vistas em letras de câmbio e ordens de pagamento, que já eram usuais nas feiras de Champange, no séc XIII. Com o desenvolvimento dessas feiras em mercados periódicos e bolsas, estabeleceu-se uma rede horizontal de dependências econômicas que fazia um contraponto às relações verticais de dependência vivida no modo de produção feudal. O comércio passou a ser praticado a distância e as cidades passaram a funcionar como bases de operação do mercado.

Com esse renascimento comercial e urbano, orientado pelo mercado, e inserido em uma malha horizontal de troca de mercadorias, era necessária a criação de uma rede de câmbio de informações. A partir do século XIV a antiga troca de cartas comerciais foi transformada em um sistema corporativo de correspondência, a tradição romana dos correios seria retomada. Essas cartas, porém, não tinham publicidade, eram de caráter privado e a sua não publicação era de interesse dos próprios comerciantes, que não queriam que todos tivessem acesso às importantes informações comerciais contidas nas cartas.

Durante os séculos XV e XVI o mundo passou por diversas mudanças determinantes, o pensamento humanista se difundiu e a ordem social aos poucos se reorganizou. A burguesia enriquecida pela fase mercantilista do capitalismo foi o principal personagem dessas transformações. Esse foi um período de grande efervescência, o homem reorganizava seu pensamento, passando de Teocentrista para Antropocentrista. Graças a essa nova maneira de encarar o mundo, foram possíveis um melhor desenvolvimento das ciências e a invenção de diversos instrumentos que viriam facilitar a vida do homem moderno. O desenvolvimento da imprensa de tipos móveis por Gutemberg se encontra inserida nesse contexto. A imprensa de Gutemberg foi um ponto determinante na história do jornalismo, pois com ela passou a ser possível reproduzir diversas vezes a mesma publicação. Entretanto a imprensa só foi utilizada para a confecção de jornais 150 anos mais tarde.

Com a consolidação do modo de produção capitalista no século XVII, a afirmação da burguesia como uma classe detentora de poder econômico e principal colaboradora desse novo modo de produção, a ordem social da época se reconfigurava. Instituía-se uma esfera pública de caráter burguês que ainda era subordinada aos órgãos do poder público. Segundo Habermas, dentro dessa lógica surgiram os primeiros jornais:

"Em sentido estrito, os primeiros jornais, por ironia também chamados de "jornais políticos", aparecem de início semanalmente e, lá pela metade do século XVII, já aparecem diariamente. [...] Os beneficiários das correspondências privadas [os comerciantes] não tinham interesse em que o conteúdo delas se tornasse público. Por isso, os jornais políticos não existem para os comerciantes, mas, pelo contrário, os comerciantes é que existem para os jornais. Eram chamados de custodes novelarum (guardiões das novidades) entre os contemporâneos, exatamente por causa dessa dependência do noticiário público para com o seu intercâmbio privado de informações." (HABERMAS,1984, p.34)

As informações contidas nesses “jornais políticos” eram notícias menos importantes do comércio, informações sobre o estrangeiro, sobre a corte, e um repertório folhetinesco como: curas miraculosas, dilúvios, assassinatos, epidemias, incêndios. Viu-se no intercâmbio de informações uma forma de gerar capital, a notícia passou a ser mercadoria.

"O processo de informação profissional está sujeito às mesmas leis do mercado, a cujo surgimento elas devem, sobretudo, a sua existência. Não por acaso, os jornais impressos desenvolvem-se freqüentemente a partir dos mesmos escritórios de correspondência que já providenciavam os jornais manuscritos. Toda informação epistolar tem o seu preço; está, portanto muito próximo querer aumentar o lucro mediante o aumento de tiragem. Já por isso, uma parte do material noticioso disponível é periodicamente impresso e vendido anonimamente - passando a ter, assim, caráter público." (HABERMAS, 1984, p. 35)

Reconhecendo a utilidade da imprensa dentro da sociedade, a administração pública passou a dar apoio e utilizá-la para dar ordens e baixar resoluções. Seu público era constituído pelas camadas cultas da sociedade, organizando assim uma esfera pública que estava longe de atingir as camadas populares, iletradas na época e excluídas da formação dessa esfera pública desde o princípio. A opinião pública da época era a resultante dos debates realizados entre intelectuais burgueses e herdeiros da aristocracia humanista na esfera pública literária que se instalava nos “cafés” europeus.

Tabela 1

Modelo habermasiano de uma esfera pública burguesa do séc. XVIII

Setor Privado Esfera do Poder Público

Sociedade Civil Esfera pública Estado
(setor da “polícia”)
(setor da troca de mercadorias e política de trabalho social)


Esfera pública literária
(clubes, imprensa)

Espaço íntimo Corte
da pequena família (Mercado de bens Culturais)
(intelectualidade burguesa) (sociedade da aristocracia da corte)



De acordo com a tabela 1, a esfera pública do século XVIII situa-se entre o setor privado (Sociedade Civil) e o poder público (Estado). Essa esfera pública política defende os anseios da sociedade privada diante dos interesses do Estado. A burguesia apoiada no princípio da igualdade, defendia a idéia que todos poderiam obter as qualificações necessárias de formação educacional e cultural de um público crítico e, assim, participar da organização de uma opinião pública, interferindo diretamente na administração estatal. Essa definição burguesa de “opinião pública” não respeita as limitações de classe existentes no período.

Dentro dessa lógica social constituída por uma esfera pública de caráter classista, formava-se o palco para finalmente essa classe detentora de poder econômico pudesse fazer sua revolução e obter o poder político. O pensamento Iluminista encontrou grande espaço nessa esfera pública e passou a desenhar sua revolução, defendendo ideais tidos como “universais”, mas que expressavam o interesse da camada burguesa da sociedade. “Só eles [proprietários] tinham, toda vez, interesses privados que automaticamente convergiam nos interesses comuns da defesa de uma sociedade civil como esfera privada. Com isso, só deles é que se podia esperar uma representação efetiva do interesse geral. [...] O interesse de classe é a base da opinião pública”.(HABERMAS, 1984, p.108).

Para fazer a revolução foi preciso alinhar-se com o povo. Para isso foram usados panfletos ilustrados, já que as camadas populares não eram alfabetizadas. Na perspectiva revolucionária, o “jornalismo opinativo” abria espaço para a reclamação de poder político por parte da burguesia, como também, colocava em pauta a opinião pública (de caráter burguês). A imprensa inserida nessa efervescência política do período fazia o papel de mediadora e potencializadora de discussões políticas. Isso é observado em momentos revolucionários como na Paris de 1789, onde diversos grupos políticos possuíam seus jornais e clubes de discussão. Contava-se 450 clubes e mais de 200 jornais. Nessa perspectiva, a imprensa cumpri o papel de afirmar a função crítica do público leitor, o capital só é inserido em um segundo plano. Em geral, esses jornais são deficitários. As publicações jornalísticas não opinativas, ao velho estilo praticado anteriormente, eram diminuídas a meras empresas e estavam sujeitas à interdições das autoridades políticas.

“Os jornais passam de meras instituições publicadoras de notícias para, além disso, serem porta-vozes e condutores da opinião pública, meios de luta da política partidária”. (Bücher apud Habermas, 1984, p.213).

Com a consolidação do Estado de Direito Burguês, essa imprensa crítica poderia ser incorporada pelo mercado visando o lucro. Na França, Inglaterra e Estados Unidos, a evolução da imprensa politizante para uma imprensa comercializada ocorreu mais ou menos durante os anos 30 do século XIX. Com a possibilidade de venda de espaços nos jornais para a colocação de anúncios, os editores viram uma grande oportunidade de mudar a base de cálculos e atingir um lucro maior. Não demorou muito até que os velhos editores ainda não inseridos nessa nova perspectiva da imprensa quisessem se reorganizar de maneira a gerar lucro. Já na metade do século havia uma série de empresas jornalísticas organizadas como sociedades anônimas.

Nos séculos XVIII e XIX se desenvolveu também o modo de produção industrial, ou seja, a lógica do capitalismo deixou de ser simplesmente comercial. A revolução industrial trouxe uma nova maneira de organização social e exploração do trabalho. As indústrias e a produção em massa se proliferaram, sempre visando a maximização dos lucros. Nesse contexto foram inventados diversos instrumentos que mudariam a imprensa novamente, como o telégrafo, que evolucionou todo um sistema de troca de informações, diminuindo as distâncias e facilitando a atividade jornalística; o aperfeiçoamento das rotativas, que aumentou a capacidade de tiragens e diminuiu o tempo de impressão; e o aperfeiçoamento da fotografia. Para se ter uma idéia, em 1814 o Times já era impresso nas novas máquinas que viriam substituir a imprensa de Gutenberg. De acordo com Habermas, dessa forma, os jornais se tornaram empresas privadas comercializadoras de notícias.

[...] o jornal acaba entrando numa situação em que ele evolui para um empreendimento capitalista, caindo no campo de interesses estranhos à empresa jornalística e que procuram influenciá-la. Desde que a venda da parte redacional está em correlação com a venda da parte dos anúncios, a imprensa, que até então fora instituição de pessoas privadas enquanto público, torna-se instituição de determinados membros do público enquanto pessoas privadas, ou seja, pórtico de entrada de privilegiados interesses privados na esfera pública. (HABERMAS, 1984, p.217).

Nesse contexto de mudanças políticas, econômicas e sociais do período, desenvolveu-se um novo tipo de jornalismo, o “jornalismo informativo”. Ele está diretamente vinculado àquele praticado nos nossos dias. Prima a objetividade (como veremos mais adiante num estudo de caso) e a imparcialidade do jornalista. Veio para atender as demandas por informações do novo público pós- revolução industrial (já com índice de alfabetização maior).
Essa nova maneira de fazer jornalismo colocou o jornalista como um agente responsável por informar a sociedade. A empresa jornalística dependente de seus anunciantes, com interesses privados que pressionavam e influenciavam no material publicado, passava então a pautar a opinião pública.

Com esse breve histórico fica evidente que a relação entre imprensa moderna, mercado e interesses privados não é um problema atual. O jornalismo moderno obedeceu as mudanças provocadas pela evolução do capitalismo nas ordens política, econômica e social.

Batalha entre imobiliárias e órgãos de preservação do patrimônio histórico ainda promete

Tombamento histórico e setor imobiliário travam uma guerra antiga, desenhada por demolições e interesses privados. No meio dessa batalha a sociedade acaba sofrendo com as conseqüências. Essas batalhas chegaram esse ano na Câmara dos Vereadores de São Paulo, onde as pressões do setor imobiliário exerceram seu poder para mudar as regras dos processos de tombamento histórico. Tais mudanças enfraqueceriam o Conpresp (órgão municipal de preservação histórica) e dariam a Câmara um poder de avalizar, ou não, os projetos de tombamento. Em meio a essa polêmica existem aqueles que defendem os interesses imobiliários e aqueles que acreditam que a preservação do patrimônio histórico não pode ficar refém do setor imobiliário.

Em entrevista concedida, o professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP Nestor Goulart Reis Filho, ex-presidente do Condephaat (órgão estadual de preservação histórica), defendeu uma reestruturação dentro do Conpresp, uma injetada real de dinheiro que possibilite a contratação de arquitetos de renome, e ao mesmo criar projetos claros nos bairros da cidade, para não prejudicar os investimentos feitos pelas construtoras.

Numa tentativa de enfraquecer o Conpresp, os vereadores da Câmara de São Paulo propuseram uma lei que tiraria o poder do órgão, dependendo do aval da Câmara para que as decisões relativas à área envoltória aos locais tombados fossem tomadas. Projeto que o prefeito Gilberto Kassab vetou. Esse veto aconteceu por influência também do governador de São Paulo, Jose Serra, nascido e criado na Mooca e muito ligado aos valores do local, que em julho desse ano também teve locais tombados. “Os empresários que me desculpem, mas não vai ser transferindo o conselho para os vereadores que o problema será resolvido. Se vereador conseguisse proteger patrimônio público, a área dos mananciais não estaria invadida por um milhão de pessoas urinando na água que bebemos todos os dias” afirmou o arquiteto Goulart Reis.

Do outro lado da história, estão os envolvidos com o setor imobiliário, como é o caso de Cláudio Bernardes, vice-presidente do Secovi, o sindicato do setor imobiliário. Adotando um discurso mais cauteloso, a principal reclamação de Bernardes é referente à demora de alguns processos iniciados pelo Conpresp, o que segundo ele, causa grandes prejuízos às construtoras, que iniciam seus projetos, gastam com o planejamento, e quando vão construir o órgão “resolve” tombar e impede qualquer alteração. “Acho que isso (restrição de altura dos prédios no entorno dos parques da aclimação e do Ipiranga) foi a gota d´água. As empresas verificam onde tem demanda, definem o tamanho do imóvel, acham um terreno que se adequa à demanda. Vêem as restrições, as regras de zoneamento, fazem as contas. Pagam R$ 20 milhões, fazem projeto e entram para aprovar. Nesse período, mudam a lei e não podem mais continuar o projeto”, afirmou Bernardes.

Nessa toada, o vereador do PSDB Dalton Silvano propôs um projeto que iria indenizar construtoras que já tivessem tido algum gasto em áreas que posteriormente foram tombadas pelo Conpresp, como é o caso da Camargo Corrêa, que adquiriu um terreno em frente ao parque da aclimação, avaliado em pelo menos R$ 9 milhões, e que como teve aberto seu processo de tombamento, fica restrita a construção de grandes obras ao seu redor. Nem o vereador nem a construtora quiseram se pronunciar sobre o caso.

No ano de 2008 o Condephaat, órgão da Secretaria de Estado da Cultura, irá completar 40 anos, e já no embalo dessa polêmica, realizou nos dias 22 e 23 de outubro um encontro para discutir temas relacionados à preservação de bens tombados. O seminário Paisagens Culturais: Conceitos e Critérios de Preservação foi aberto no dia 22 pelo secretário da Cultura, João Sayad; pelo presidente do Condephaat, Adílson Avansi de Abreu; e por Antônio Augusto Arantes Neto, antropólogo e ex-presidente do órgão.
“As cidades crescem e, muitas vezes, o tombamento de um bem cria limites públicos para o seu uso privado, principalmente quando entra em cena a especulação imobiliária”, observa Adílson Avansi. “O objetivo deste seminário é discutir a harmonização dos interesses públicos e privados, quando se fala em preservação.”

O primeiro debate, intitulado Paisagens Naturais: a relação homem-natureza, contou com a participação do geógrafo Aziz Ab’Saber, da USP, ex-presidente do Condephaat e responsável pelo tombamento da Serra do Mar; da bióloga da USP Sueli Furlan; e de Roberto Varjabedian, do Centro de Apoio Operacional de Urbanismo e Meio Ambiente do Ministério Público. A coordenação foi de Sérgio Alex Constant de Almeida, conselheiro do Condephaat e representante da Secretaria do Meio Ambiente no órgão.
Roberto Varjabedian alertou para a necessidade do resgate, do respeito, e da difusão dos conceitos teóricos do planejamento e dos documentos dos órgãos responsáveis pela preservação. Para ele, “muitos conceitos hoje não são aplicados e essa perda de referenciais é prejudicial ao ambiente a ser protegido”. Ele acredita que a preservação deve ser feita com a integração das esferas de competência (municipal, estadual e federal) sem a perda da linha conceitual e teórica dos órgãos responsáveis.
Sueli Furlan ressalta a necessidade de um bom suporte técnico para a aplicação dos conceitos de preservação. “É preciso condições [melhores] para o trabalho; a equipe não pode ser pequena e sua atuação tem que ter o mesmo prestígio que qualquer outro trabalho técnico dentro da estrutura governamental”.
A bióloga também afirma que para a preservação “devemos entender que no local existe um conjunto de valores históricos, visuais e ecológicos que se interagem, e que precisam ser sempre ressaltados”. Ela sugere que a cobertura de um projeto deve ser contínua e pouco fragmentada, o que depende de uma boa análise desses valores.

Aziz Ab’Saber dirigiu críticas às “pressões que os neocapitalistas exercem no espaço urbano e natural” com especulações imobiliárias. Para ele, “no nosso tempo tudo virou mercadoria, seja no chão ou no céu, e por isso eles [os especuladores] não querem que nenhum espaço seja tombado”.
O geógrafo diz que falta entendermos o conceito de “espaço total”, que interliga as reminiscências de áreas naturais, grandes áreas de água e ecossistemas e conjuntos urbanos. Devemos, para ele, expandir esse conceito ao interior da área metropolitana. “O plano diretor de uma cidade é bizarramente burocrático, há de se ter um plano de funcionalidade, que se inicia por um bom estudo”. “O processo de tombamento também tem de ser pensado na funcionalidade, não devemos tombar apenas construções com valor arquitetônico, há de se considerar o funcionamento do ecossistema urbano, os desgastes das drenagens”, acrescenta.

O intelectual de 83 anos ainda alerta que deve haver uma parceria entre os que estudam para tombar e os que têm que manter intacto o espaço tombado. Ele finaliza ao dizer que teme o modo como as expansões urbanas ocorrem atualmente, pois são regidas pelas pressões dos “neocapitalistas”. “Isso é caos para nossos filhos e netos”.

A identificação do problema e a posterior justificação do projeto de tombamento, para Ab’Saber, deve ser feita pelo Condephaat, cuja força “se encontra naqueles que lá trabalham”.


O segundo dia do seminário Paisagens Culturais: Conceitos e Critérios de Preservação, realizado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado (Condephaat), órgão da Secretaria de Estado da Cultura, teve como foco a apresentação de projetos de intervenção no espaço urbano. O tema do debate ocorrido foi Paisagens Culturais: entre conceitos e práticas – projetos de intervenção.

A mesa coordenada pela historiadora Marly Rodrigues, do Condephaat, contou com a participação de José Rollemberg Mello Filho, do Departamento de Patrimônio Histórico da Prefeitura Municipal de São Paulo, de Marcelo C. Ferraz, arquiteto responsável por vários projetos envolvendo bens tombados e de Eduardo Della Mano, arquiteto que representou o Secovi - Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis Residenciais e Comerciais de São Paulo.

José Rollemberg apresentou, no início do debate, um projeto de revitalização do “Eixo de Santo Amaro”, que vai da Igreja Matriz até a Biblioteca Kennedy, passando pela Rua capitão Tiago Luz. O eixo, segundo ele, abriga grande valor histórico da região, que um dia fora uma cidade. Atualmente, o local é ocupado pelo comércio informal de forma desordenada.

O objetivo do projeto é organizar os camelôs ali instalados, ampliar as calçadas e os espaços públicos, recuperar os espaços abertos e os edifícios históricos, arborizar o local e revitalizar o largo da Igreja Matriz para realizar festas e eventos da comunidade.

Marcelo Ferraz apresentou três projetos semelhantes, que visam também recuperar áreas necessitadas e que beneficiam a comunidade da região. Para ele, “o passado de pedra só nos interessa quando vivo, e é necessário preservar e restaurá-lo para torná-lo vivo, útil e servir de referência ao futuro”.

O primeiro projeto que apresentou foi a revitalização do “KKKK”, um conjunto de galpões feitos pelos imigrantes japoneses na cidade de Registro, interior de São Paulo. As construções foram tombadas pelo Condephaat em 1982, e o projeto do arquiteto transformou os prédios da Companhia Ultramarina de

Desenvolvimento em locais úteis à população da cidade. Um dos galpões transformou-se num museu sobre a imigração japonesa no estado. Outros se tornaram uma escola de capacitação de professores e um centro de lazer. Além disso, o projeto construiu um parque na região da margem do Rio Ribeira de Iguape, onde os moradores de Registro praticam esportes e lazer.

Os outros dois projetos apresentados foram o da construção do Museu Rodin em um casarão colonial de Salvador, na Bahia, que abrigará obras do artista francês a partir de maio de 2008 e o do Museu do Pão, que revitalizou moinhos de imigrantes italianos no sul do Brasil. Cinco moinhos na Serra Gaúcha, na cidade de Ilópolis, compuseram o projeto, que os restaurou e construiu um museu sobre suas histórias, relacionadas à produção de pães.

Eduardo Della Mano afirmou que “é salutar a esses projetos certa parceria com a iniciativa privada”. Para ele, essa associação garante a sustentabilidade do local trombado e canaliza recursos que qualificam a intervenção. “O tombamento não garante por si só a preservação do bem tombado”, acrescenta.

A polêmica envolvendo os processos de tombamento também pôde ser vista em julho de 2007. Elisabete Florido, jornalista moradora da Mooca, foi uma das idealizadoras do “Abraço ao Moinho Santo Antônio”, ato que teve o objetivo de impedir a demolição do prédio por parte das construtoras. O gesto não foi em vão, já que o Conpresp iniciou o processo de tombamento do Moinho, e de mais seis galpões da região, o que impede qualquer alteração em sua estrutura.

Agora, o espaço, que seria destinado a supermercados e empreendimentos imobiliários, já tem planejamentos para um futuro muito mais interessante para a memória da cidade.

“No caso dos galpões do entorno da linha férrea, existe um projeto da Secretaria Municipal de Cultura de se fazer ali um grande pólo cultural, com salas de cinema, anfiteatro, áreas de convivência e gastronomia, além do Memorial das Ferrovias.”, disse Elisabete.

A jornalista não acredita que com esse processo de tombamento a região será desvalorizada. “A valorização começa agora. É que as pessoas não compreendem ainda essa mecânica. O que diminuiu foi o poder especulativo sobre aquela área. As construções foram limitadas, não tem remembramento de lotes, portanto perdeu o interesse imobiliário.”

Em meio a essas disputas diversos projetos e visões são apresentados, porém nos casos pró-imobiliárias fica claro um interesse privado que acaba influenciando diretamente no espaço público. O medo da desvalorização precisa ser superado por parte da população que acaba sofrendo as conseqüências dessa guerra. O tombamento uma vez entendido como um ato de preservação, reaproveitamento e valorização do local pode ser encarado como um bem a cidade e a sua população.

O Produto é você! - Supervalorização da imagem

O papa é pop! O mundo é pop! A lógica é a do mercado, do consumo desenfreado, do culto à imagem e do vazio espiritual. Tudo é mercadoria. A incorporação e a penetração do sistema capitalista na vida das pessoas nunca foram tão brutais. A mídia (o chamado quarto poder) se ocupa de perpetuar esse modo de vida, difundir imagens e orientar o consumo. Oferece um complemento para a sua vida pacata. Publicidade, jornalismo e “lazer” se fundem nesse espetáculo monstruoso. Onde, diferentemente da Antiguidade os heróis são infinitos, fabricados e sepultados todos os dias em telas de tv, outdoors, programas de rádio, jornais, revistas e internet. Não precisam de feitos extraordinários para ocupar as telinhas e alcançar a tão desejada fama, basta rebolar, ir sem calcinha à quadra de alguma escola de samba, ficar enclausurado em uma casa com outras pessoas “comuns” enquanto tudo é filmado, enfim, as possibilidades são também infinitas.

Tudo isso é perfeitamente compreensível no dado momento em que a imagem foi colocada como ponto nevrálgico desse sistema superficial, onde tudo é consumível, fabricado e visível. A fama é status e reconhecimento social, não importa como foi atingida. A maioria quer ser o próximo “American Idol” e se sujeita qualquer coisa para ascender socialmente nessa sociedade. Portanto, o papel da mídia é fundamental nessa espetacularização, cabe a ela fabricar e vender as imagens que orientam ao consumo, desde escovas de dente elétricas até o último eliminado do “Big Brother Brasil”.

Alcançar alguma visibilidade em um meio de comunicação não era muito fácil, até os dias de hoje. A internet, com o youtube, myspace, orkut, blogs, flogs e etc. veio preencher essa lacuna do “self-made-icon”. Sendo um meio mais democrático, qualquer um com acesso a rede pode se lançar como mais novo ícone pop. A visibilidade e a fama nunca estiveram tão acessíveis como nos dias de hoje. Você, mero mortal, pode se tornar mais uma celebridade sem sair da sua casa. A fama está logo ali. Qualquer um pode virar mais uma imagem, um produto, conquistar a fama instantânea e ser consumido por milhares como você.

O mercado incorpora tudo e todos e está entre nós, em nossas relações sociais. A todo tempo presenciamos a sobreposição de espetáculos ao nosso redor. Desde o momento em que você escova os dentes com aquela pasta que combate 12 problemas dentários, passando pelo seu cereal matinal, pela rápida lida no jornal, com notícias espetaculosas e selecionadas, que garantem informar tudo aquilo que é preciso saber, na sua camisa nike, no seu tênis adidas, na sua coca-cola, no seu carro, nos outdoors, na tv, no rádio, na igreja, na sua casa, nas suas conversas, na sua vida. Tudo faz parte do espetáculo. Esse mundo grita: se você não faz parte do show, você não existe! Todas as suas relações sociais estão intermediadas por imagens, sem elas, nesse mundo, você não é ninguém. Nada mais plausível do que, em um mundo de imagens, querer ser mais um ícone e ser cultuado.

Toda essa cena caótica remete a face mais perversa da sociedade de consumo, que acaba por ser tornar sociedade do espetáculo. O fetichismo da mercadoria atinge o seu mais alto grau, onde o consumo traz felicidade. Na essência o homem acaba massificado, tratado como mais um consumidor, um número, perde sua identidade real e veste a fabricada, se torna a imagem, o produto. O espetáculo permanente preenche o vazio dessa sociedade dividida, esfacelada e desigual. Ele domina seu cotidiano, seja no trabalho ou nas horas de lazer e como qualquer outra indústria precisa da permanente renovação de seus produtos, imagens e ídolos. Está tudo em liquidação! Compre! Consuma! Seja o próximo “American Idol”!

Fichamento - Wilheim Reich - Psicologia de Massa no Nazismo

- O autor abre o texto mostrando a “Teoria Racial” aplicada no nazismo. Mostra a idéia de que a ideologia econômica e social do 3° Reich era organizada em volta dessa superioridade racial ariana. Tudo gira para proteger a raça superior e garantir a pureza da raça ariana que segundo essa teoria é a raça com a missão de governar, justificando assim a expansão do reich.

- Essa teoria parte da hipótese da “lei de bronze” da natureza, onde o acasalamento exclusivo de cada animal com a sua própria espécie constituí essa lei. A natureza quer a pureza racial e garante essa superioridade da espécie através da seleção natural, na seleção da briga pelo pão de cada dia. O nazismo buscou transportar essa hipótese para os povos.

- Wilhem Reich mostra que só através da objetividade é possível combater as idéias fascistas para um fascista apaixonado. Ele divide como funções objetiva ( tapar com manto biológico as tendências imperialistas) e função subjetiva que consiste em exprimir certas correntes afetivas, inconscientes, nos sentimentos do nacionalista e de esconder atitudes psíquicas determinadas. Resumindo, ele através dos próprios preceitos nazistas busca contradições para mostrar como as idéias fascistas são absurdas.

- O fascismo é dominado por ideais abstratos, éticos, e pela crença na missão divina do Fuhrer . Essa identificação com o líder gera uma reprodução da imagem do Fuhrer em cada cidadão alemão. Criam-se pequenos Hitlers. Para mostrar à todos como todos esses pequenos hitlers são julgados como sub-homens pelo próprio sistema é preciso determinar o seu conteúdo afetivo e colocar os pontos de junção ideológico-sexuais do processo da formação das ideologias

- Algo impressionante é a assimilação estereotipada da expressão “envenenamento da raça” com “envenenamento do sangue”. Através de tal idéia o autor desenvolve um tópico de seu texto mostrando o traço de ligação afetiva na questão da sífilis e do sexo. Mostra trechos de Hitler falando de herança da doença por vícios dos pais e de como essa mistura de raças gera uma contaminação na raça superior. Essa teoria mostra um envenenamento político e moral atribuído ao judeu-internacional Karl Marx, ou seja, através desse misticismo Hitler consegue imprimir de maneira sutil um teor político em seu discurso.

- Wilhem coloca trechos da obra de Rosenberg ilustrando o misticismo fascista e comentando suas raízes e falhas. Rosenberg defende a idéia de que alguns deuses gregos eram puros e representavam a raça nórdica e que os deuses vindos do leste, deuses etruscos em sua origem, eram estrangeiros e contaminaram a pureza dos deuses gregos. É facilmente observado o absurdo de classificar deuses gregos entre estrangeiros e gregos, sendo que todos eles fazem parte da cultura grega.

- A sociedade na Alemanha Nazista era monogâmica e patriarcal, com diversos limites sexuais e valores éticos e morais que envolvem tal questão.
Esse modelo se encaixa com a presença da propriedade privada e do capitalismo financeiro presente no reich. Uma sociedade patriarcal onde a propriedade do sexo é privada e existem inúmeras repressões sexuais dentro da classe dominante, naturalmente buscará explorar a falta de “moral sexual” das classes inferiores e tirar algum proveito dessa exploração. Isso tudo ilustra bem como esse modelo ético sexual cabe perfeitamente na sociedade alemã do 3° Reich.

- As classes inferiores sem uma moralidade sexual, representam uma ameaça ao sistema regente e à classe dominante pois dentro de todos existe despudor sexual que é reprimido pelo capitalismo. A partir do momento em que todos descobrem esse dragão adormecido dentro de si, a sociedade muda e se transforma em algo mais igualitário e matriarcal onde todos tem igualdade de explorar sua sexualidade. Isso é claramente transposto para o plano político representando uma grande ameaça a forma como essa sociedade patriarcal é organizada. Até os dias de hoje isso representa uma ameaça pois não rompemos com esses preceitos morais nessas questões que formam um microcosmo da organização de nossa sociedade desigual e exploratória.