segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Vicky Cristina Barcelona?

Para a indústria cinematográfica norte-americana, Woody Allen envelheceu. Não tem mais apelo, não arrasta multidões e, conseqüentemente, não enche mais os bolsos dos grandes estúdios. Com isso, rumou para o Velho Continente. “Vicky Cristina Barcelona” é o terceiro filme do cineasta gravado na Europa, primeiro na Espanha. O motivo da locação, segundo o próprio Allen: “só gravei em Barcelona porque pagaram”. A prefeitura local desembolsou cerca de dois milhões de euros para que a cidade se tornasse a terceira personagem da película. O que causou revolta por parte de alguns artistas catalães, afinal, a quantia é astronômica e foi destinada a um artista estrangeiro. A encomenda fica clara quando verificamos a variedade de pontos turísticos apresentados no filme. Barcelona, então, limita-se as obras de Gaudí e Miró, a um ou outro bar e restaurante. A cidade acaba como uma personagem vazia, estática.

O olhar turista é evidente, as lentes revelam uma Barcelona que pode ser vista em qualquer catálogo ou revista de viagens. A cidade não salta da tela, como Nova Iorque faz nas mãos de Woody. Um refúgio do cineasta a esse tipo de crítica é o fato da narrativa contar a história de duas turistas americanas que vão à Barcelona. Prestes a se casar, Vicky (Rebecca Hall) vai buscar material para seu mestrado sobre identidade catalã. Cristina (Scarlett Johansson), após romper um namoro, vai à busca de novas aventuras e experiências. A primeira é recatada, demasiada racional, tem um relacionamento estável e está noiva. A segunda é atirada, mais sensorial do que racional, aberta a novas experiências e tem dificuldades em manter relacionamentos. As duas protagonistas são simples, personagens óbvias e que não surpreendem. São tão vazias quanto a Barcelona retratada.

Talvez as protagonistas acabaram sufocadas pela forma de narrativa. Um narrador onisciente em “voz over”, documentando, mastigando e digerindo as informações para o expectador. Não sobrou espaço para a história fluir naturalmente através de suas principais personagens. Não existe um fluxo natural, a narração acaba trazendo artificialidade ao enredo e limitando a interpretação do público. Além disso, é cansativo ouvir a mesma voz dando o tom da narrativa. Esse é um recurso que pode ser usado, mas em um filme cujo título é “Vicky Cristina Barcelona”, não. As três personagens dão nome ao filme, por que não dar profundidade dramática a elas e contar a história através de suas perspectivas? Parece até preguiça.

A trama se desenvolve no momento em que o pintor catalão, Juan Antonio (Javier Bardem), entra na vida das duas turistas. Javier mostrou que sabe ser quente e sedutor, em oposição ao personagem de “Onde os fracos não têm vez”, que lhe rendeu um Oscar. Ele, artista e libertário, um amante. Penetra no caminho de Vicky e Cristina para bagunçar as idéias sobre amor e sexo. O que acontece não é necessário dizer, é óbvio. Vicky, puritana, acaba seduzida pela “guitarra espanhola” e, com receios, se rende ao pintor. Já Cristina entra no clima de liberdade sexual, assim, logo de cara. Ao que tudo indica, será desenvolvido um triângulo amoroso, no melhor estilo francês da “nouvelle vague” e seus trios emblemáticos, como o de “Banda à Parte” (Godard). Mas não, no decorrer da narrativa é apresentada outra personagem, Maria Helena (Penélope Cruz). Ex-mulher de Juan Antonio, ela é um gênio, pinta, toca piano, esculpe, enfim, uma artista completa. É catalã, na verdade, um estereótipo gritante de uma catalã. Com ela que se desenvolverá um triângulo interessante, Cristina, Juan e Helena. Aliás, as duas personagens de Barcelona são exageradas. Sempre de chinelos, em tons pastéis, comendo, bebendo e gritando. É a visão de um turista diante de uma identidade cultural que ele não compreende, pois não é sua realidade. Como se Almodóvar filmasse em Nova Iorque e buscasse colocar a cidade como sua personagem. É artificial, inverossímil.

A atuação das americanas acaba engolida pelo “over-acting” dos espanhóis. Rebecca Hall, linda e elegante, cai bem em sua personagem, não empolga, mas convence. Scarlett Johansson, sensual, provocante, não passa muito disso e acaba empolgando mais pela beleza do que pela atuação. E então chegam os espanhóis, desvairados e coloridos. São o contraponto a cultura puritana americana, verificada em Vicky. São o que Cristina queria ser. Porém, acabam sendo, realmente, caricaturas de artistas catalães. Assim, efusivos, abusam de gritos e gestos bruscos. Com isso, dão mais vida ao filme e acabam trazendo uma comicidade que inexiste nos momentos em que só as americanas estão em cena. Porém, tal comicidade é carregada de estereótipos e obviedades, tudo muito superficial, sem profundidade dramática. Todos acabam como personagens ornamentais, Barcelona também.

O ponto chave do filme é o conflito entre segurança e liberdade, sempre partindo do amor e do sexo. Consegue ir além, chega à oposição de dois estilos de vida, o do artista e o do executivo. Um é colorido, de camisa aberta. Outro é monocromático, de camisa abotoada e pra dentro da calça. Assim é o “conflito”, no filme, entre o espanhol e o americano. Não deixa de ser clichê, assim como as ações dos personagens. O elemento que se salva é a fotografia, não poderia ser diferente em um filme sob encomenda. O responsável por essa parte foi o espanhol Javier Aguirresarobe. Ele conseguiu saltar aos olhos com seus enquadramentos flutuantes, que variam de acordo com o ritmo e importância do dialogo apresentado.

“Vicky Cristina Barcelona” poderia ter acabado como “Vicky Cristina Roma”, ou “Vicky Cristina Salvador”. Segundo Allen, esse era um antigo roteiro que foi “adaptado” a cidade de Barcelona. Poderia ser qualquer outra e todas seriam retratadas de maneira superficial. Não tem como revelar a identidade de uma cidade se o cineasta não respira sua realidade. O resultado é um filme claramente encomendado. Outro ponto importante é a polêmica acerca do roteiro, do qual Woody foi acusado de plágio. O fotógrafo e escritor espanhol, Alexis de Villar, afirma que a obra de Allen é um plágio de seu livro “Goodbye Barcelona”, de 1987. Assim, “Vicky Cristina Barcelona” acaba mais parecendo o desespero de um cineasta para arrecadar fundos. Uma obra que destoa do conjunto de Woody Allen. Portanto, creio que ele aprendeu que, em matéria de identidade catalã, é melhor deixar os filmes para Almodóvar.

sábado, 1 de novembro de 2008

Gogol Bordello - Tim Festival São Paulo



Punhos cerrados, Fúria! Pulos ritmados, palmas, chutes ao ar! Alegria, Interação e Liberdade! Gogol Bordello!

Como não poderia ser diferente, na última sexta, dia 24, a trupe de imigrantes liderada pelo ucraniano Eugene Hutz entrou em sintonia com seu público e fez a arena montada no Ibirapuera tremer ao som do melhor do “gypsy punk”. É "punk cigano" mesmo, algo que combina elementos da música cigana do leste europeu com "punk rock", "dub", "reggae", "mambo", "rumba" ,"polca" e "tarantela" (último álbum). O espetáculo fica completo com a atmosfera circo/cabaré dos figurinos e atitudes do grupo. Tudo isso graças a miscelânea cultural que a banda reúne, uma verdadeira Torre de Babel, tem integrante da Ucrânia, Rússia (2), China, Etiópia, EUA, Israel e Equador. E como se não fosse suficiente, Eugene é "juntado" com uma brasileira e tem uma casa no Rio de Janeiro.

E a banda subiu ao palco, primeiramente, com seis integrantes. “Ultimate”, do álbum “Super Taranta” (2007), abriu o set, fãs adoraram, alguns perdidos, que não conheciam a banda, de início estranharam. O violão de Hutz e o acordeom de Yuri Lemeshev começaram dando o tom, então, os primeiros versos foram cantados e a questão político-existencial colocada. Para abrir o show e preparar o ambiente:

“If we are here not to do
What you and I wanna do
And go forever crazy with it
Why the hell are we even here? RÁÁÁ!”

“Se nós não estamos aqui para fazer
o que eu e você queremos
e ficar eternamente muito loucos com isso
Por que catso nós estamos aqui?? RÁÁÁ!”

Logo após o grito, todos os outros instrumentos somaram-se ao violão e acordeom, a casa foi abaixo! Pulos, gritos, energia! Interação entre palmas, bater dos pés, vozes e instrumentos. Tudo uma coisa só, um show orgânico, festa! Nessa altura, até aqueles que estavam estranhando aquele bigodudo, magricelo, de estilo debochado e seus companheiros nada convencionais, agora já faziam parte do show, contagiados, não tiveram escapatória.

Em seguida, a banda já emendou “Sally” do álbum “Gypsy Punk Underdog World Strike” (2005). A garota da letra, Sally, também fora conquistada pelo espírito cigano, mas através de um objeto deixado para trás pelos andarilhos. Então, assim como no Ibirapuera, na noite de sexta, “Cultural revolution Just begun” (revolução cultural acabou de começar)! É foda, interação, dialética, superação! Palco x platéia, platéia x palco! Individuo na platéia x individuo na platéia! Instrumentos x instrumentos! Todos os elementos combinados harmoniosamente em ação, reação, atingindo a superação dos padrões musicais, éticos, políticos e culturais! E era gente de todas as idades, tanto no palco quanto no chão, convivendo com respeito, sem certa estupidez que costuma ser recorrente nos shows de "punk". Pô, experiência que transcende a matéria, não pode ser apontada e, muito menos, entendida pontualmente, só entendemos o show se pensarmos todos os elementos envolvidos, pois o que fica no ar, o que nosso cérebro capta, é justamente isso, a freqüência (espírito) que uniu diferentes culturas naquela noite. A empolgação das rodas de pogo, das palmas, dos pés e chutes, vibração furiosa. Por isso, a plena compreensão nunca virá através da racionalidade, mas sim da captação, da sensação, do conflito harmonioso da sua existência com a música e todos os presentes, isso, caro leitor, só quem tava lá sabe o que é. Nesse ponto, uma resenha de cunho jornalístico torna-se inútil, demasiado racionalista. Devia escrever um poema, uma música ou simplesmente pegar esses elementos gráficos (palavras) e combiná-los de forma espontânea, só seguindo as sensações deixadas pelo enorme organismo que tomou conta do Tim Festival, dia 24. Assim, seria possível estender uma ponta daquilo tudo para essas páginas. Tal necessidade explica a não convencionalidade dessa resenha. Show atípico, resenha atípica, ora pois!

Música - Fúria – punhos cerrados – pés ao chão – pogo – gritos - protesto – pulos – alegria – interação – questionamentos – revolução – cores – festa – alteração da consciência – expansão dos horizontes - libertação - liberdade!

Isso foi o show! Ta bem, mais um pouco de amarras jornalísticas: Em sua apresentação, o grupo mesclou os dois últimos álbuns. A terceira música foi “Not a Crime”, baseados subiram, e manteve o pessoal no ritmo frenético do "gypsy punk" até cair aquele grave do dub, então tudo ficou mais lento, fumaça na mente e o ritmo penetrando, até que, BOOM! Explosão! A galera cai matando no palco e o público cai no pogo alucinante.

A performance no palco preserva o ar debochado dos integrantes, mas se mantém quase que impecável durante todo o tempo. Tudo muito bem ensaiado, quase um número circense que só ficou completo quando as duas backing vocals/dançarinas/instrumentistas (uma no prato e outra no tambor) subiram ao palco. Ambas chinesas e com uniformes de ginástica, baby look e shortinho(pra delírio da cuecada), do Santos FC (seguindo a linha das apresentações desse ano). Mas por que o Peixe?? Ta certo, o time é bi-mundial e bem conhecido lá fora, mas o que o Gogol Bordello tem a ver com isso? Pergunta que fica no ar. São elas que dão os gritos estridentes de “Never Young”, transmitindo como nenhuma palavra o que Eugene passou quando jovem, de embaixada em embaixada, acampamento em acampamento, cigano na vida, mão de obra barata, visto cheio de preconceitos pelo conservadorismo europeu e super-explorado no trabalho. Então, aconteceu a libertação através da música:

“I was sculpted to be overworked and silent
But since the early ageI broke out of the cage
And learned how to make marching drums
From a fish can”

"Fui esculpido para trabalhar além da conta em silêncio
Mas desde cedo eu quebrei a jaula
E aprendi como fazer tambores em marcha
Em uma lata de peixe"

Tambores em marcha, força! Essa história de vida, os gritos e os instrumentos em ritmo acelerado encontraram a platéia, que reagiu e rebateu com socos, chutes, pulos e gritos. A tal da interação.

Eugene correu de um lado para o outro, jogou vinho na galera, bebeu e cuspiu pra cima, um “show man” ligado no 220V. Acompanhando a empolgação, o violinista Sergey Ryabtsev, também mostrou que apesar de tiozinho, ta bem enxuto e correu, pulou, cantou, dançou e é claro detonou no violino.

Logo após a acelerada "Never Young", assim de sopetão, só tempo para poucos grunidos de Hutz, veio “Wonderlust King” – hit mais conhecido pelo grande público. Introdução feita com violão, voz e palmas da galera. Tudo sereno, até que, “But im a wonderlust king! I stay on the run! Let me out, let me be gone!” Libertação sentida no entoar de toda aquela sinfonia instrumental que foi lançada ao público após a introdução. A resposta: mais pulos, mais dança e gritos! Festa! Com direito a fã vestido de "Jack Sparrow" fugindo do roadie e dando um “mosh” na galera. E o melhor, mesmo sem querer, foi um pulo sincronizado com a música, interação, todos num só, música, músicos e platéia. Essa a galera cantou como nenhuma outra.

“Mishto” (Gypsy Underdog World Strike) veio logo em seguida, então todas as atenções se voltaram à parte instrumental. Ritmo mais lento do que o apresentado até então, do contrário ia ter gente enfartando. Tudo começa com violão e voz e vai subindo, entra o acordeon, mantém o ritmo cadenciado, então, um prato de condução mostra que a batera está por vir, toques na caixa são ouvidos e entram bateria, baixo e violino, sincronia perfeita. Essa é daquelas que o público sentiu lá dentro, pois mesmo quase toda instrumental e com letra em ucraniano, a platéia reagiu,lançou os braços ao ar, dançou um bocado, mas mais do que tudo, estabeleceu comunicação sem conhecer o idioma. Para acelerar, “60 revolutions”, alterando uma pegada parecida com o nosso forró e “punk rock”, foi prato cheio nas rodas de pogo. Na letra, alarmes são soados,czares derrubados e bares esvaziados – revolução, uma por segundo! Energia incrível!

Acabada a música, é o início de outra. Instrumental de “Starting Wearing Purple”, palmas marcando o ritmo. Essa era muito aguardada pelo grande público - trilha de “Uma Vida Iluminada", filme com Elijah Woods. Enquanto outros tocavam, Hutz entornava um belo vinho, direto do gargalo, é wearing purple/vestindo roxo no sentido "etílicomológico" de ser. E o vocal começa a cantoria: “Ela não gosta de mim, ela não gosta de mim, por que ela não gosta de mim?” – música do brasileiro Agepe. A galera foi ao delírio e ficou na expectativa, então Hutz manda: “Morena tropicana...oioioioi” de Alceu Valença. Aplausos! E chega a hora: “Start Wearing Purple!” – fãs delirantes e geral pulando, na maior alegria.

E chega o momento de pensar local, com “Think Locally, Fuck Globaly” - uma pegada mais puxada para o mambo com punk rock. É, o neoliberalismo ta aí, destruindo, massificando e coisificando diferentes culturas, tudo vira produto. Todos são submetidos às leis do mercado, escravos da "Era Moderna". Então, nada melhor do que unir-se a Hutz e gritar: Fuck Globaly! E foi isso que aconteceu, a casa veio abaixo com o já clássico. E, logo em seguida, para surpresa de alguns, rolou “Mala Vida” sucesso do “Mano Negra” (ex banda de Manu Chao), fechando a curta (cerca de uma hora), porém fenomenal, apresentação do Gogol Bordello aqui em São Paulo. E ainda, após agradecimentos, Eugene desceu pra falar com a galera e distribuir abraços. Festa!

Foi isso, algo demasiado espetacular para ficar preso ao jornalismo. Por esse motivo vemos resenhas porcas (como essa) a respeito do show, ninguém irá resenhar com precisão aquele imenso organismo que se formou naquela noite. Aquilo ficou lá, morreu no momento em que a “excelente” organização soltou a “sonzera” Vila Olimpia na Arena. Quem foi o imbecil que colocou essa puta show no meio daqueles DJs? Não sabiam que do Gogol iria nascer algo diferente de tudo que foi visto no festival? Não conheciam direito? Da próxima vez, um dia só de Gogol Bordello, ou talvez alguma bandinha de ska para aquecer os ânimos...fica a sugestão. Enfim, foi uma grande festa pela Liberdade.

El Pueblo en Armas - Cartaz para filme fictício


Contradição Neonazista



“A diferença entre a genialidade e a estupidez é que a genialidade tem limites”

Estupidez é falta de inteligência. O nacional-socialismo (nazismo) prega a supremacia da raça ariana. A sociedade brasileira é heterogênea, reunindo diferentes etnias em um mesmo território. A doutrina aplicada por Hitler na Alemanha nazista defendia a formação do III Reich, de modo a proteger e garantir o desenvolvimento pleno da raça perfeita, a mais pura e única com capacidade civilizadora. Tal raça, para os nazistas alemães, pode ser encontrada no norte da Europa e seria ela a imagem de Deus.

Hoje, os movimentos neonazistas que voltam a ganhar fôlego na Europa vêem os latinos, assim como os judeus, homossexuais, negros, árabes, curdos e demais etnias existentes, como inferiores, meio animais meio homens. Pretendem eliminar essas sub-raças e garantir a pureza racial para a posteridade. Só arianos podem se reproduzir, entre eles é claro, para não envenenar o sangue puro que carregam.

Tudo isso é muito distante, com um quê de absurdo. Porém, na madrugada do último dia oito, três jovens pertencentes ao grupo de “skinheads” denominado “Front 88” espancaram um rapaz e um cabo da PM que estava à paisana. O crime aconteceu na região central da capital paulista. Os três jovens começaram atacando o rapaz, provavelmente homossexual. O policial vendo a cena tentou intervir, tornando-se assim alvo dos “skinheads”. Contudo, essa não é uma situação tão distante do cotidiano desse país tão distante daquela Alemanha. A cada ano diversos casos de violência envolvendo grupos neonazistas são registrados em São Paulo e no restante do Brasil.

O nome Front 88 faz alusão ao “HH”, abreviação para “Heil Hitler”, uma saudação nacional-socialista alemã usada para exaltar a figura do “Fuhrer”, chefe do Estado. Vale lembrar que tal gangue é brasileira, portanto, com integrantes latinos. Inclusive, um dos criminosos possui a pele escura, é mulato, fruto de uma mistura étnica entre àqueles considerados inferiores. Sendo assim, o ato foi praticado por pessoas estúpidas que são contradições vivas da ideologia em que acreditam, isso sem entrar no mérito da falta de inteligência de ser nazista em qualquer lugar do mundo.

Essa ascensão neonazista, totalmente contraditória em terras tupiniquins, pode ser explicada, no contexto alemão, pela atual crise do sistema financeiro mundial. A queda dos EUA, a autodenominada locomotiva do capitalismo, combinada com a crise alimentar que assola o globo, deixa um cenário de incertezas e repúdio ao capital transnacional. Com isso, ultranacionalistas, entre eles os nazistas, encontram terreno fértil para difundir suas idéias. Mas, se autodenominar nazista em um país como o Brasil é provar que a estupidez não tem limites. Tanto que se membros do “Front 88” cruzarem com neonazistas alemães, serão os brasileiros o alvo da vez, a raça inferior e passível de extermínio.
charge de Latuff

Descrição - Mendigo

Casaco batido, roto e esverdeado, combina com as calças de semelhante tonalidade. Uma imagem desbotada, aquele ar urbano, ou melhor, é como se fosse um camaleão com disfunção na camuflagem. Mistura o verde original de suas roupas com o cinza natural da cidade. Resultado é esse: um ser desbotado, lembrança do que foi um dia. Hoje, sua cor e identidade originais já se perderam, foram engolidas pelo ambiente. Os mais desatentos podem confundi-lo com um milico saudosista, daqueles que tira a casaca do armário no sete de setembro ou em alguma outra celebração da pátria amada e sai aos prantos pela rua. Seu andar cadenciado e relaxado logo nos faz perceber, não se trata do tipo militar. O Brasil não foi sua “mãe gentil”. O abandono é estampado em seu rosto. Quando termina o casaco, subindo pelo pescoço, já da para notar a barba mal feita e a face escura. A cor da pele é negra, os pelos ralos e o acúmulo de sujeira escurecem ainda mais a sua figura. Traços fortes delimitam o rosto e um bigode singelo aparece se misturando à sujeira. O cabelo completa a personalidade, sujo, comprido e grudado, há anos deixou de ser cabelo e se tornou massa sebosa no alto da cabeça. Em meio a tantos borrões, é difícil distinguir as marcas da vida das da falta de higiene. Porém, seu olhar não engana. Quase sempre longe, amarelado, parece navegar conforme a maré. Vive na rua, um dia de cada vez, na maioria das vezes um entrando no outro. Realidade confusa, difusa, gestos para o nada e conversa com o ar. A sua luta é a sobrevivência, o resto “que se foda”. Já se entregou na batalha da vida, flutua nas caóticas vias que cortam a cidade. Assim, quase sempre fora de si, as horas passam. Cada vez mais o cenário toma conta de sua personalidade, gradativamente o cinza sobrepõe o verde e o sujeito se perde na monstruosa capital paulista. Pessoas passam e não o vêem, ele já faz parte do ambiente como um poste ou uma lata de lixo. Porém, se fosse objeto estaria bem, não passaria despercebido e cumpriria função social. Seu drama é não ser objeto. Ele é algo muito pior para a sociedade atual. Do tipo que a cidade engole e ninguém se dá conta, é um ser humano que não produz, descartável, um ninguém.

As vendas sociais e a crise alimentar



“Recordem que, por nossa incapacidade de ver, os movimentos do prestidigitador se convertem em magia”

Hoje vivemos a era dos acordos de livre comércio entre países. Na qual, reuniões fechadas de dezenas decidem o futuro de milhões. Os chamados países em desenvolvimento são os que mais sofrem com as medidas adotadas nesses acordos. A maior conseqüência é a sua devastação econômica em certas áreas. Aqueles que tiram sua subsistência do setor agrícola são os que mais sofrem. O México, membro do NAFTA (Tratado Norte Americano de Livre Comércio), é um exemplo de como o livre-comércio pode ser prejudicial à alguns setores da sociedade.

A crise alimentar chegou ao país esse ano, quando entrou em vigor a total liberalização da agricultura mexicana, caíram todos os tributos em relação aos produtos desse setor. Com isso, as organizações camponesas se viram obrigadas a concorrer diretamente com produtos americanos e canadenses. O resultado não poderia ser mais óbvio. Os EUA, que cultivam 179 milhões de hectares com subsídios que chegam a 21 mil dólares para seu "fazendeiro", acabaram inundando as prateleiras mexicanas com seus produtos. A concorrência é desigual, o México cultiva 27 milhões de hectares, com subsídios que chegam a 700 dólares para o agricultor.

Não há como vencer quando seu concorrente é a maior potencia mundial e pratica “dumping” em relação aos produtos de seu país. Do lado americano uma série de embargos continuam limitando as importações de produtos agrícolas mexicanos, a desigualdade é gritante. O cenário não poderia ser pior, o país que já sofria com a desigualdade social agora afunda em uma crise, na qual aqueles que ocupam os setores menos favorecidos da sociedade pagam a conta. Conta essa que acaba encoberta pela mídia, pois se encontra demasiadamente atrelada aos interesses capitalistas emergentes dos países concorrentes e do próprio México.

Assim, os contratos que traçam o destino de milhões acabam restritos às decisões de poucos, beneficiados com essa “livre-concorrência” desleal. A sociedade atual acaba adotando uma forma unilateral de tomar decisões, na qual, a sociedade civil não tem voz. Os mais prejudicados protestam, ninguém lhes dá ouvidos. O restante da sociedade escolhe continuar cego e em um estado de letargia. Só cumprem o seu dever de produzir capital, consumir mercadorias e vender imagens, enquanto a miséria se alastra ao seu redor, mas não bate à sua porta.

O destino dos camponeses acaba sendo decidido por “mágicos” que usam um truque muito conhecido, porém, cuidadosamente encoberto. O truque de fomentar a “livre-concorrencia”, na realidade protetora dos interesses de grandes potências mundiais, em mercados considerados fracos e sub-explorados. O espetáculo é bem montado, os “ilusionistas” obtêm uma enorme margem de lucro e distraem as populações com o seu show, o patrocinador é o capitalismo transnacional, a conta todos sabem quem paga.
ilustração retirada de: www.sinmaiznohaypais.org

Breve história da Imprensa: dos primórdios à lógica do Capital

O jornalismo é uma profissão relativamente nova, pois foi durante o século XVIII que passou a ser possível sobreviver economicamente da prática jornalística. Entretanto, a capacidade do homem de se comunicar e informar o seu semelhante data de milênios atrás. Os primórdios do jornalismo baseiam-se na comunicação oral, que exigia a capacidade de memorizar relatos épicos, genealogias, relações de bens e relatos míticos remetentes a fundação de um povo. Nesse contexto, encontra-se a Bíblia que começou como um relato oral e só foi passado para o suporte escrito a partir do século VIII a.C. Com o desenvolvimento da escrita e a criação de um alfabeto pelos fenícios, passou a ser possível gravar mensagens em suportes sólidos. O alfabeto então foi adaptado pelos romanos, árabes e hebreus. Os romanos possuíam uma publicação regular durante o império, as Acta Diurna, que traziam fatos diversos, notícias militares, obituários, avisos e ordenamentos do império. Essas Acta Diurna eram colocadas no espaço público sobre murais, e podem ser consideradas o primeiro jornal regular que se tem notícia. A imprensa como conhecemos só seria possível séculos mais tarde, pois nos primórdios do jornalismo ainda não era possível reproduzir diversas vezes uma mesma publicação.

A história do jornalismo moderno confunde-se com a ascensão de uma nova classe social, a burguesia. Essa nova classe, basicamente formada por comerciantes e profissionais liberais, possuía boa parte do capital, mas não tinha o poder político. Foi através do comércio organizado que a burguesia ascendeu. Com o primitivo capitalismo financeiro e mercantil que a partir do séc. XIII se expande dos Estados do Norte da Itália para a Europa ocidental e setentrional, se formaram as feiras comerciais, que dariam lugar aos mercados. Esse comércio incipiente tinha a necessidade da troca de informações comerciais, que eram transmitidas através de cartas comerciais.

Práticas do capitalismo financeiro já eram vistas em letras de câmbio e ordens de pagamento, que já eram usuais nas feiras de Champange, no séc XIII. Com o desenvolvimento dessas feiras em mercados periódicos e bolsas, estabeleceu-se uma rede horizontal de dependências econômicas que fazia um contraponto às relações verticais de dependência vivida no modo de produção feudal. O comércio passou a ser praticado a distância e as cidades passaram a funcionar como bases de operação do mercado.

Com esse renascimento comercial e urbano, orientado pelo mercado, e inserido em uma malha horizontal de troca de mercadorias, era necessária a criação de uma rede de câmbio de informações. A partir do século XIV a antiga troca de cartas comerciais foi transformada em um sistema corporativo de correspondência, a tradição romana dos correios seria retomada. Essas cartas, porém, não tinham publicidade, eram de caráter privado e a sua não publicação era de interesse dos próprios comerciantes, que não queriam que todos tivessem acesso às importantes informações comerciais contidas nas cartas.

Durante os séculos XV e XVI o mundo passou por diversas mudanças determinantes, o pensamento humanista se difundiu e a ordem social aos poucos se reorganizou. A burguesia enriquecida pela fase mercantilista do capitalismo foi o principal personagem dessas transformações. Esse foi um período de grande efervescência, o homem reorganizava seu pensamento, passando de Teocentrista para Antropocentrista. Graças a essa nova maneira de encarar o mundo, foram possíveis um melhor desenvolvimento das ciências e a invenção de diversos instrumentos que viriam facilitar a vida do homem moderno. O desenvolvimento da imprensa de tipos móveis por Gutemberg se encontra inserida nesse contexto. A imprensa de Gutemberg foi um ponto determinante na história do jornalismo, pois com ela passou a ser possível reproduzir diversas vezes a mesma publicação. Entretanto a imprensa só foi utilizada para a confecção de jornais 150 anos mais tarde.

Com a consolidação do modo de produção capitalista no século XVII, a afirmação da burguesia como uma classe detentora de poder econômico e principal colaboradora desse novo modo de produção, a ordem social da época se reconfigurava. Instituía-se uma esfera pública de caráter burguês que ainda era subordinada aos órgãos do poder público. Segundo Habermas, dentro dessa lógica surgiram os primeiros jornais:

"Em sentido estrito, os primeiros jornais, por ironia também chamados de "jornais políticos", aparecem de início semanalmente e, lá pela metade do século XVII, já aparecem diariamente. [...] Os beneficiários das correspondências privadas [os comerciantes] não tinham interesse em que o conteúdo delas se tornasse público. Por isso, os jornais políticos não existem para os comerciantes, mas, pelo contrário, os comerciantes é que existem para os jornais. Eram chamados de custodes novelarum (guardiões das novidades) entre os contemporâneos, exatamente por causa dessa dependência do noticiário público para com o seu intercâmbio privado de informações." (HABERMAS,1984, p.34)

As informações contidas nesses “jornais políticos” eram notícias menos importantes do comércio, informações sobre o estrangeiro, sobre a corte, e um repertório folhetinesco como: curas miraculosas, dilúvios, assassinatos, epidemias, incêndios. Viu-se no intercâmbio de informações uma forma de gerar capital, a notícia passou a ser mercadoria.

"O processo de informação profissional está sujeito às mesmas leis do mercado, a cujo surgimento elas devem, sobretudo, a sua existência. Não por acaso, os jornais impressos desenvolvem-se freqüentemente a partir dos mesmos escritórios de correspondência que já providenciavam os jornais manuscritos. Toda informação epistolar tem o seu preço; está, portanto muito próximo querer aumentar o lucro mediante o aumento de tiragem. Já por isso, uma parte do material noticioso disponível é periodicamente impresso e vendido anonimamente - passando a ter, assim, caráter público." (HABERMAS, 1984, p. 35)

Reconhecendo a utilidade da imprensa dentro da sociedade, a administração pública passou a dar apoio e utilizá-la para dar ordens e baixar resoluções. Seu público era constituído pelas camadas cultas da sociedade, organizando assim uma esfera pública que estava longe de atingir as camadas populares, iletradas na época e excluídas da formação dessa esfera pública desde o princípio. A opinião pública da época era a resultante dos debates realizados entre intelectuais burgueses e herdeiros da aristocracia humanista na esfera pública literária que se instalava nos “cafés” europeus.

Tabela 1

Modelo habermasiano de uma esfera pública burguesa do séc. XVIII

Setor Privado Esfera do Poder Público

Sociedade Civil Esfera pública Estado
(setor da “polícia”)
(setor da troca de mercadorias e política de trabalho social)


Esfera pública literária
(clubes, imprensa)

Espaço íntimo Corte
da pequena família (Mercado de bens Culturais)
(intelectualidade burguesa) (sociedade da aristocracia da corte)



De acordo com a tabela 1, a esfera pública do século XVIII situa-se entre o setor privado (Sociedade Civil) e o poder público (Estado). Essa esfera pública política defende os anseios da sociedade privada diante dos interesses do Estado. A burguesia apoiada no princípio da igualdade, defendia a idéia que todos poderiam obter as qualificações necessárias de formação educacional e cultural de um público crítico e, assim, participar da organização de uma opinião pública, interferindo diretamente na administração estatal. Essa definição burguesa de “opinião pública” não respeita as limitações de classe existentes no período.

Dentro dessa lógica social constituída por uma esfera pública de caráter classista, formava-se o palco para finalmente essa classe detentora de poder econômico pudesse fazer sua revolução e obter o poder político. O pensamento Iluminista encontrou grande espaço nessa esfera pública e passou a desenhar sua revolução, defendendo ideais tidos como “universais”, mas que expressavam o interesse da camada burguesa da sociedade. “Só eles [proprietários] tinham, toda vez, interesses privados que automaticamente convergiam nos interesses comuns da defesa de uma sociedade civil como esfera privada. Com isso, só deles é que se podia esperar uma representação efetiva do interesse geral. [...] O interesse de classe é a base da opinião pública”.(HABERMAS, 1984, p.108).

Para fazer a revolução foi preciso alinhar-se com o povo. Para isso foram usados panfletos ilustrados, já que as camadas populares não eram alfabetizadas. Na perspectiva revolucionária, o “jornalismo opinativo” abria espaço para a reclamação de poder político por parte da burguesia, como também, colocava em pauta a opinião pública (de caráter burguês). A imprensa inserida nessa efervescência política do período fazia o papel de mediadora e potencializadora de discussões políticas. Isso é observado em momentos revolucionários como na Paris de 1789, onde diversos grupos políticos possuíam seus jornais e clubes de discussão. Contava-se 450 clubes e mais de 200 jornais. Nessa perspectiva, a imprensa cumpri o papel de afirmar a função crítica do público leitor, o capital só é inserido em um segundo plano. Em geral, esses jornais são deficitários. As publicações jornalísticas não opinativas, ao velho estilo praticado anteriormente, eram diminuídas a meras empresas e estavam sujeitas à interdições das autoridades políticas.

“Os jornais passam de meras instituições publicadoras de notícias para, além disso, serem porta-vozes e condutores da opinião pública, meios de luta da política partidária”. (Bücher apud Habermas, 1984, p.213).

Com a consolidação do Estado de Direito Burguês, essa imprensa crítica poderia ser incorporada pelo mercado visando o lucro. Na França, Inglaterra e Estados Unidos, a evolução da imprensa politizante para uma imprensa comercializada ocorreu mais ou menos durante os anos 30 do século XIX. Com a possibilidade de venda de espaços nos jornais para a colocação de anúncios, os editores viram uma grande oportunidade de mudar a base de cálculos e atingir um lucro maior. Não demorou muito até que os velhos editores ainda não inseridos nessa nova perspectiva da imprensa quisessem se reorganizar de maneira a gerar lucro. Já na metade do século havia uma série de empresas jornalísticas organizadas como sociedades anônimas.

Nos séculos XVIII e XIX se desenvolveu também o modo de produção industrial, ou seja, a lógica do capitalismo deixou de ser simplesmente comercial. A revolução industrial trouxe uma nova maneira de organização social e exploração do trabalho. As indústrias e a produção em massa se proliferaram, sempre visando a maximização dos lucros. Nesse contexto foram inventados diversos instrumentos que mudariam a imprensa novamente, como o telégrafo, que evolucionou todo um sistema de troca de informações, diminuindo as distâncias e facilitando a atividade jornalística; o aperfeiçoamento das rotativas, que aumentou a capacidade de tiragens e diminuiu o tempo de impressão; e o aperfeiçoamento da fotografia. Para se ter uma idéia, em 1814 o Times já era impresso nas novas máquinas que viriam substituir a imprensa de Gutenberg. De acordo com Habermas, dessa forma, os jornais se tornaram empresas privadas comercializadoras de notícias.

[...] o jornal acaba entrando numa situação em que ele evolui para um empreendimento capitalista, caindo no campo de interesses estranhos à empresa jornalística e que procuram influenciá-la. Desde que a venda da parte redacional está em correlação com a venda da parte dos anúncios, a imprensa, que até então fora instituição de pessoas privadas enquanto público, torna-se instituição de determinados membros do público enquanto pessoas privadas, ou seja, pórtico de entrada de privilegiados interesses privados na esfera pública. (HABERMAS, 1984, p.217).

Nesse contexto de mudanças políticas, econômicas e sociais do período, desenvolveu-se um novo tipo de jornalismo, o “jornalismo informativo”. Ele está diretamente vinculado àquele praticado nos nossos dias. Prima a objetividade (como veremos mais adiante num estudo de caso) e a imparcialidade do jornalista. Veio para atender as demandas por informações do novo público pós- revolução industrial (já com índice de alfabetização maior).
Essa nova maneira de fazer jornalismo colocou o jornalista como um agente responsável por informar a sociedade. A empresa jornalística dependente de seus anunciantes, com interesses privados que pressionavam e influenciavam no material publicado, passava então a pautar a opinião pública.

Com esse breve histórico fica evidente que a relação entre imprensa moderna, mercado e interesses privados não é um problema atual. O jornalismo moderno obedeceu as mudanças provocadas pela evolução do capitalismo nas ordens política, econômica e social.

Batalha entre imobiliárias e órgãos de preservação do patrimônio histórico ainda promete

Tombamento histórico e setor imobiliário travam uma guerra antiga, desenhada por demolições e interesses privados. No meio dessa batalha a sociedade acaba sofrendo com as conseqüências. Essas batalhas chegaram esse ano na Câmara dos Vereadores de São Paulo, onde as pressões do setor imobiliário exerceram seu poder para mudar as regras dos processos de tombamento histórico. Tais mudanças enfraqueceriam o Conpresp (órgão municipal de preservação histórica) e dariam a Câmara um poder de avalizar, ou não, os projetos de tombamento. Em meio a essa polêmica existem aqueles que defendem os interesses imobiliários e aqueles que acreditam que a preservação do patrimônio histórico não pode ficar refém do setor imobiliário.

Em entrevista concedida, o professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP Nestor Goulart Reis Filho, ex-presidente do Condephaat (órgão estadual de preservação histórica), defendeu uma reestruturação dentro do Conpresp, uma injetada real de dinheiro que possibilite a contratação de arquitetos de renome, e ao mesmo criar projetos claros nos bairros da cidade, para não prejudicar os investimentos feitos pelas construtoras.

Numa tentativa de enfraquecer o Conpresp, os vereadores da Câmara de São Paulo propuseram uma lei que tiraria o poder do órgão, dependendo do aval da Câmara para que as decisões relativas à área envoltória aos locais tombados fossem tomadas. Projeto que o prefeito Gilberto Kassab vetou. Esse veto aconteceu por influência também do governador de São Paulo, Jose Serra, nascido e criado na Mooca e muito ligado aos valores do local, que em julho desse ano também teve locais tombados. “Os empresários que me desculpem, mas não vai ser transferindo o conselho para os vereadores que o problema será resolvido. Se vereador conseguisse proteger patrimônio público, a área dos mananciais não estaria invadida por um milhão de pessoas urinando na água que bebemos todos os dias” afirmou o arquiteto Goulart Reis.

Do outro lado da história, estão os envolvidos com o setor imobiliário, como é o caso de Cláudio Bernardes, vice-presidente do Secovi, o sindicato do setor imobiliário. Adotando um discurso mais cauteloso, a principal reclamação de Bernardes é referente à demora de alguns processos iniciados pelo Conpresp, o que segundo ele, causa grandes prejuízos às construtoras, que iniciam seus projetos, gastam com o planejamento, e quando vão construir o órgão “resolve” tombar e impede qualquer alteração. “Acho que isso (restrição de altura dos prédios no entorno dos parques da aclimação e do Ipiranga) foi a gota d´água. As empresas verificam onde tem demanda, definem o tamanho do imóvel, acham um terreno que se adequa à demanda. Vêem as restrições, as regras de zoneamento, fazem as contas. Pagam R$ 20 milhões, fazem projeto e entram para aprovar. Nesse período, mudam a lei e não podem mais continuar o projeto”, afirmou Bernardes.

Nessa toada, o vereador do PSDB Dalton Silvano propôs um projeto que iria indenizar construtoras que já tivessem tido algum gasto em áreas que posteriormente foram tombadas pelo Conpresp, como é o caso da Camargo Corrêa, que adquiriu um terreno em frente ao parque da aclimação, avaliado em pelo menos R$ 9 milhões, e que como teve aberto seu processo de tombamento, fica restrita a construção de grandes obras ao seu redor. Nem o vereador nem a construtora quiseram se pronunciar sobre o caso.

No ano de 2008 o Condephaat, órgão da Secretaria de Estado da Cultura, irá completar 40 anos, e já no embalo dessa polêmica, realizou nos dias 22 e 23 de outubro um encontro para discutir temas relacionados à preservação de bens tombados. O seminário Paisagens Culturais: Conceitos e Critérios de Preservação foi aberto no dia 22 pelo secretário da Cultura, João Sayad; pelo presidente do Condephaat, Adílson Avansi de Abreu; e por Antônio Augusto Arantes Neto, antropólogo e ex-presidente do órgão.
“As cidades crescem e, muitas vezes, o tombamento de um bem cria limites públicos para o seu uso privado, principalmente quando entra em cena a especulação imobiliária”, observa Adílson Avansi. “O objetivo deste seminário é discutir a harmonização dos interesses públicos e privados, quando se fala em preservação.”

O primeiro debate, intitulado Paisagens Naturais: a relação homem-natureza, contou com a participação do geógrafo Aziz Ab’Saber, da USP, ex-presidente do Condephaat e responsável pelo tombamento da Serra do Mar; da bióloga da USP Sueli Furlan; e de Roberto Varjabedian, do Centro de Apoio Operacional de Urbanismo e Meio Ambiente do Ministério Público. A coordenação foi de Sérgio Alex Constant de Almeida, conselheiro do Condephaat e representante da Secretaria do Meio Ambiente no órgão.
Roberto Varjabedian alertou para a necessidade do resgate, do respeito, e da difusão dos conceitos teóricos do planejamento e dos documentos dos órgãos responsáveis pela preservação. Para ele, “muitos conceitos hoje não são aplicados e essa perda de referenciais é prejudicial ao ambiente a ser protegido”. Ele acredita que a preservação deve ser feita com a integração das esferas de competência (municipal, estadual e federal) sem a perda da linha conceitual e teórica dos órgãos responsáveis.
Sueli Furlan ressalta a necessidade de um bom suporte técnico para a aplicação dos conceitos de preservação. “É preciso condições [melhores] para o trabalho; a equipe não pode ser pequena e sua atuação tem que ter o mesmo prestígio que qualquer outro trabalho técnico dentro da estrutura governamental”.
A bióloga também afirma que para a preservação “devemos entender que no local existe um conjunto de valores históricos, visuais e ecológicos que se interagem, e que precisam ser sempre ressaltados”. Ela sugere que a cobertura de um projeto deve ser contínua e pouco fragmentada, o que depende de uma boa análise desses valores.

Aziz Ab’Saber dirigiu críticas às “pressões que os neocapitalistas exercem no espaço urbano e natural” com especulações imobiliárias. Para ele, “no nosso tempo tudo virou mercadoria, seja no chão ou no céu, e por isso eles [os especuladores] não querem que nenhum espaço seja tombado”.
O geógrafo diz que falta entendermos o conceito de “espaço total”, que interliga as reminiscências de áreas naturais, grandes áreas de água e ecossistemas e conjuntos urbanos. Devemos, para ele, expandir esse conceito ao interior da área metropolitana. “O plano diretor de uma cidade é bizarramente burocrático, há de se ter um plano de funcionalidade, que se inicia por um bom estudo”. “O processo de tombamento também tem de ser pensado na funcionalidade, não devemos tombar apenas construções com valor arquitetônico, há de se considerar o funcionamento do ecossistema urbano, os desgastes das drenagens”, acrescenta.

O intelectual de 83 anos ainda alerta que deve haver uma parceria entre os que estudam para tombar e os que têm que manter intacto o espaço tombado. Ele finaliza ao dizer que teme o modo como as expansões urbanas ocorrem atualmente, pois são regidas pelas pressões dos “neocapitalistas”. “Isso é caos para nossos filhos e netos”.

A identificação do problema e a posterior justificação do projeto de tombamento, para Ab’Saber, deve ser feita pelo Condephaat, cuja força “se encontra naqueles que lá trabalham”.


O segundo dia do seminário Paisagens Culturais: Conceitos e Critérios de Preservação, realizado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado (Condephaat), órgão da Secretaria de Estado da Cultura, teve como foco a apresentação de projetos de intervenção no espaço urbano. O tema do debate ocorrido foi Paisagens Culturais: entre conceitos e práticas – projetos de intervenção.

A mesa coordenada pela historiadora Marly Rodrigues, do Condephaat, contou com a participação de José Rollemberg Mello Filho, do Departamento de Patrimônio Histórico da Prefeitura Municipal de São Paulo, de Marcelo C. Ferraz, arquiteto responsável por vários projetos envolvendo bens tombados e de Eduardo Della Mano, arquiteto que representou o Secovi - Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis Residenciais e Comerciais de São Paulo.

José Rollemberg apresentou, no início do debate, um projeto de revitalização do “Eixo de Santo Amaro”, que vai da Igreja Matriz até a Biblioteca Kennedy, passando pela Rua capitão Tiago Luz. O eixo, segundo ele, abriga grande valor histórico da região, que um dia fora uma cidade. Atualmente, o local é ocupado pelo comércio informal de forma desordenada.

O objetivo do projeto é organizar os camelôs ali instalados, ampliar as calçadas e os espaços públicos, recuperar os espaços abertos e os edifícios históricos, arborizar o local e revitalizar o largo da Igreja Matriz para realizar festas e eventos da comunidade.

Marcelo Ferraz apresentou três projetos semelhantes, que visam também recuperar áreas necessitadas e que beneficiam a comunidade da região. Para ele, “o passado de pedra só nos interessa quando vivo, e é necessário preservar e restaurá-lo para torná-lo vivo, útil e servir de referência ao futuro”.

O primeiro projeto que apresentou foi a revitalização do “KKKK”, um conjunto de galpões feitos pelos imigrantes japoneses na cidade de Registro, interior de São Paulo. As construções foram tombadas pelo Condephaat em 1982, e o projeto do arquiteto transformou os prédios da Companhia Ultramarina de

Desenvolvimento em locais úteis à população da cidade. Um dos galpões transformou-se num museu sobre a imigração japonesa no estado. Outros se tornaram uma escola de capacitação de professores e um centro de lazer. Além disso, o projeto construiu um parque na região da margem do Rio Ribeira de Iguape, onde os moradores de Registro praticam esportes e lazer.

Os outros dois projetos apresentados foram o da construção do Museu Rodin em um casarão colonial de Salvador, na Bahia, que abrigará obras do artista francês a partir de maio de 2008 e o do Museu do Pão, que revitalizou moinhos de imigrantes italianos no sul do Brasil. Cinco moinhos na Serra Gaúcha, na cidade de Ilópolis, compuseram o projeto, que os restaurou e construiu um museu sobre suas histórias, relacionadas à produção de pães.

Eduardo Della Mano afirmou que “é salutar a esses projetos certa parceria com a iniciativa privada”. Para ele, essa associação garante a sustentabilidade do local trombado e canaliza recursos que qualificam a intervenção. “O tombamento não garante por si só a preservação do bem tombado”, acrescenta.

A polêmica envolvendo os processos de tombamento também pôde ser vista em julho de 2007. Elisabete Florido, jornalista moradora da Mooca, foi uma das idealizadoras do “Abraço ao Moinho Santo Antônio”, ato que teve o objetivo de impedir a demolição do prédio por parte das construtoras. O gesto não foi em vão, já que o Conpresp iniciou o processo de tombamento do Moinho, e de mais seis galpões da região, o que impede qualquer alteração em sua estrutura.

Agora, o espaço, que seria destinado a supermercados e empreendimentos imobiliários, já tem planejamentos para um futuro muito mais interessante para a memória da cidade.

“No caso dos galpões do entorno da linha férrea, existe um projeto da Secretaria Municipal de Cultura de se fazer ali um grande pólo cultural, com salas de cinema, anfiteatro, áreas de convivência e gastronomia, além do Memorial das Ferrovias.”, disse Elisabete.

A jornalista não acredita que com esse processo de tombamento a região será desvalorizada. “A valorização começa agora. É que as pessoas não compreendem ainda essa mecânica. O que diminuiu foi o poder especulativo sobre aquela área. As construções foram limitadas, não tem remembramento de lotes, portanto perdeu o interesse imobiliário.”

Em meio a essas disputas diversos projetos e visões são apresentados, porém nos casos pró-imobiliárias fica claro um interesse privado que acaba influenciando diretamente no espaço público. O medo da desvalorização precisa ser superado por parte da população que acaba sofrendo as conseqüências dessa guerra. O tombamento uma vez entendido como um ato de preservação, reaproveitamento e valorização do local pode ser encarado como um bem a cidade e a sua população.

O Produto é você! - Supervalorização da imagem

O papa é pop! O mundo é pop! A lógica é a do mercado, do consumo desenfreado, do culto à imagem e do vazio espiritual. Tudo é mercadoria. A incorporação e a penetração do sistema capitalista na vida das pessoas nunca foram tão brutais. A mídia (o chamado quarto poder) se ocupa de perpetuar esse modo de vida, difundir imagens e orientar o consumo. Oferece um complemento para a sua vida pacata. Publicidade, jornalismo e “lazer” se fundem nesse espetáculo monstruoso. Onde, diferentemente da Antiguidade os heróis são infinitos, fabricados e sepultados todos os dias em telas de tv, outdoors, programas de rádio, jornais, revistas e internet. Não precisam de feitos extraordinários para ocupar as telinhas e alcançar a tão desejada fama, basta rebolar, ir sem calcinha à quadra de alguma escola de samba, ficar enclausurado em uma casa com outras pessoas “comuns” enquanto tudo é filmado, enfim, as possibilidades são também infinitas.

Tudo isso é perfeitamente compreensível no dado momento em que a imagem foi colocada como ponto nevrálgico desse sistema superficial, onde tudo é consumível, fabricado e visível. A fama é status e reconhecimento social, não importa como foi atingida. A maioria quer ser o próximo “American Idol” e se sujeita qualquer coisa para ascender socialmente nessa sociedade. Portanto, o papel da mídia é fundamental nessa espetacularização, cabe a ela fabricar e vender as imagens que orientam ao consumo, desde escovas de dente elétricas até o último eliminado do “Big Brother Brasil”.

Alcançar alguma visibilidade em um meio de comunicação não era muito fácil, até os dias de hoje. A internet, com o youtube, myspace, orkut, blogs, flogs e etc. veio preencher essa lacuna do “self-made-icon”. Sendo um meio mais democrático, qualquer um com acesso a rede pode se lançar como mais novo ícone pop. A visibilidade e a fama nunca estiveram tão acessíveis como nos dias de hoje. Você, mero mortal, pode se tornar mais uma celebridade sem sair da sua casa. A fama está logo ali. Qualquer um pode virar mais uma imagem, um produto, conquistar a fama instantânea e ser consumido por milhares como você.

O mercado incorpora tudo e todos e está entre nós, em nossas relações sociais. A todo tempo presenciamos a sobreposição de espetáculos ao nosso redor. Desde o momento em que você escova os dentes com aquela pasta que combate 12 problemas dentários, passando pelo seu cereal matinal, pela rápida lida no jornal, com notícias espetaculosas e selecionadas, que garantem informar tudo aquilo que é preciso saber, na sua camisa nike, no seu tênis adidas, na sua coca-cola, no seu carro, nos outdoors, na tv, no rádio, na igreja, na sua casa, nas suas conversas, na sua vida. Tudo faz parte do espetáculo. Esse mundo grita: se você não faz parte do show, você não existe! Todas as suas relações sociais estão intermediadas por imagens, sem elas, nesse mundo, você não é ninguém. Nada mais plausível do que, em um mundo de imagens, querer ser mais um ícone e ser cultuado.

Toda essa cena caótica remete a face mais perversa da sociedade de consumo, que acaba por ser tornar sociedade do espetáculo. O fetichismo da mercadoria atinge o seu mais alto grau, onde o consumo traz felicidade. Na essência o homem acaba massificado, tratado como mais um consumidor, um número, perde sua identidade real e veste a fabricada, se torna a imagem, o produto. O espetáculo permanente preenche o vazio dessa sociedade dividida, esfacelada e desigual. Ele domina seu cotidiano, seja no trabalho ou nas horas de lazer e como qualquer outra indústria precisa da permanente renovação de seus produtos, imagens e ídolos. Está tudo em liquidação! Compre! Consuma! Seja o próximo “American Idol”!

Fichamento - Wilheim Reich - Psicologia de Massa no Nazismo

- O autor abre o texto mostrando a “Teoria Racial” aplicada no nazismo. Mostra a idéia de que a ideologia econômica e social do 3° Reich era organizada em volta dessa superioridade racial ariana. Tudo gira para proteger a raça superior e garantir a pureza da raça ariana que segundo essa teoria é a raça com a missão de governar, justificando assim a expansão do reich.

- Essa teoria parte da hipótese da “lei de bronze” da natureza, onde o acasalamento exclusivo de cada animal com a sua própria espécie constituí essa lei. A natureza quer a pureza racial e garante essa superioridade da espécie através da seleção natural, na seleção da briga pelo pão de cada dia. O nazismo buscou transportar essa hipótese para os povos.

- Wilhem Reich mostra que só através da objetividade é possível combater as idéias fascistas para um fascista apaixonado. Ele divide como funções objetiva ( tapar com manto biológico as tendências imperialistas) e função subjetiva que consiste em exprimir certas correntes afetivas, inconscientes, nos sentimentos do nacionalista e de esconder atitudes psíquicas determinadas. Resumindo, ele através dos próprios preceitos nazistas busca contradições para mostrar como as idéias fascistas são absurdas.

- O fascismo é dominado por ideais abstratos, éticos, e pela crença na missão divina do Fuhrer . Essa identificação com o líder gera uma reprodução da imagem do Fuhrer em cada cidadão alemão. Criam-se pequenos Hitlers. Para mostrar à todos como todos esses pequenos hitlers são julgados como sub-homens pelo próprio sistema é preciso determinar o seu conteúdo afetivo e colocar os pontos de junção ideológico-sexuais do processo da formação das ideologias

- Algo impressionante é a assimilação estereotipada da expressão “envenenamento da raça” com “envenenamento do sangue”. Através de tal idéia o autor desenvolve um tópico de seu texto mostrando o traço de ligação afetiva na questão da sífilis e do sexo. Mostra trechos de Hitler falando de herança da doença por vícios dos pais e de como essa mistura de raças gera uma contaminação na raça superior. Essa teoria mostra um envenenamento político e moral atribuído ao judeu-internacional Karl Marx, ou seja, através desse misticismo Hitler consegue imprimir de maneira sutil um teor político em seu discurso.

- Wilhem coloca trechos da obra de Rosenberg ilustrando o misticismo fascista e comentando suas raízes e falhas. Rosenberg defende a idéia de que alguns deuses gregos eram puros e representavam a raça nórdica e que os deuses vindos do leste, deuses etruscos em sua origem, eram estrangeiros e contaminaram a pureza dos deuses gregos. É facilmente observado o absurdo de classificar deuses gregos entre estrangeiros e gregos, sendo que todos eles fazem parte da cultura grega.

- A sociedade na Alemanha Nazista era monogâmica e patriarcal, com diversos limites sexuais e valores éticos e morais que envolvem tal questão.
Esse modelo se encaixa com a presença da propriedade privada e do capitalismo financeiro presente no reich. Uma sociedade patriarcal onde a propriedade do sexo é privada e existem inúmeras repressões sexuais dentro da classe dominante, naturalmente buscará explorar a falta de “moral sexual” das classes inferiores e tirar algum proveito dessa exploração. Isso tudo ilustra bem como esse modelo ético sexual cabe perfeitamente na sociedade alemã do 3° Reich.

- As classes inferiores sem uma moralidade sexual, representam uma ameaça ao sistema regente e à classe dominante pois dentro de todos existe despudor sexual que é reprimido pelo capitalismo. A partir do momento em que todos descobrem esse dragão adormecido dentro de si, a sociedade muda e se transforma em algo mais igualitário e matriarcal onde todos tem igualdade de explorar sua sexualidade. Isso é claramente transposto para o plano político representando uma grande ameaça a forma como essa sociedade patriarcal é organizada. Até os dias de hoje isso representa uma ameaça pois não rompemos com esses preceitos morais nessas questões que formam um microcosmo da organização de nossa sociedade desigual e exploratória.

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Fichamento: “O Estado e Indivíduo sobre o Nacional Socialismo”, encontrado no livro “Tecnologia Guerra e Fascismo” de Marcuse

- O nacional socialismo não pode ser considerado uma revolução, pois não alterou a estrutura do processo produtivo, alguns grupos sociais ainda mantiveram o controle dos instrumentos de trabalho, não fazendo seu uso para o interesse geral da sociedade. A economia no Terceiro Reich era organizada em torno de grandes conglomerados industriais apoiados pelo governo, eles expandiram seus domínios antes mesmo da ascensão de Hitler ao poder.
- No regime nacional socialista o exército figura como um “Estado dentro do Estado”. Reorganizado segundo princípios mais democráticos de seleção, ele se afastava da organização que tinha no antigo Reich.
- Dentro do regime, empresário e operário são unidos na Frente Operaria Alemã, submetidos as mesmas regras de comportamento que os operários, os empresários acabaram por perder seus privilégios.
- O nacional socialismo liquidou as características essenciais do Estado Moderno, abolindo qualquer separação entre Estado e sociedade. O regime tendia ao autogoverno direto e imediato dos grupos sociais dominantes sobre o resto da população.
-A manipulação das massas visava libertar os instintos mais brutais e egoístas do indivíduo.
- Domínio da lei, monopólio do poder coercitivo e soberania nacional foram as três características abolidas pelo nacional socialismo. A lei não era algo universal e aplicável a todos igualmente, em seu lugar existiam direitos particulares diferentes: para o partido, para a indústria e para o “Volksgenossen” (camarada) comum.
- O Estado em si não era totalitário, mas a totalidade se encontrava no movimento nacional socialista. Segundo Hitler, o Estado não era um fim, mas um meio para a formação de uma cultura humana superior.
- Nesse período pós primeira guerra, a Alemanha perde seu mercado externo, tem seu mercado interno reduzido e ainda conta com uma legislação social, que combinada com os outros fatores impedia a utilização lucrativa de sua crescente indústria. Detectava-se a volta de uma política imperialista, o livre capitalismo não daria conta de transformar o Estado. O Estado democrático precisava ser transformado em autoritário para atingir suas metas.
- Hitler baseava-se no principio da eficiência, onde os indivíduos recebem uma parte na produção social baseada no seu desempenho na luta competitiva. Ele pregava uma “competição implacável”, vale tudo, desde que se mantenha dentro do padrão social estabelecido.
-A primeira tarefa do nacional socialismo era devolver o posto de poderoso concorrente no mercado internacional
- As relações econômicas deveriam ser transformadas em políticas, a expansão e dominação do Estado seria um agente executivo da economia. O Estado tomou para si a tarefa de criar um novo espaço para a iniciativa do empresário.
- O Estado deveria identificar-se diretamente com os interesses econômicos predominantes e ordenar as relações sociais de acordo com suas necessidades.
- Para atingir seus objetivos, o partido oferecia um aparato terrorista indispensável. Supervisionava a educação e o treinamento dos jovens, monopolizava o poder da polícia secreta e normal, alterava a lei de acordo com seus interesses, além de criar e perpetuar a ideologia oficial. A grande burocracia aplicada gerou muitos empregos e criou uma nova elite que se alia aos capitães da indústria.
- As forças armadas possuíam uma independência em relação ao partido, mas nem por isso deixavam de trabalhar em conjunto, ambos com interesses imperialistas.
- O Estado tinha uma soberania tripartite: Partido, indústria e forças armadas, dividindo o monopólio do poder coercitivo.
- A harmonia entre as três hierarquias era encontrada na figura do Fuhrer. Ele é o mediador das forças rivais. Sua decisão não era livre, pois ele tem sua origem ligada a filosofia e política dos grupos imperialistas dominantes a quem ele serviu. Ele é aceito como líder pois ele tinha o poder de dominar as massas e era um símbolo de eficiência. Os dirigentes da Alemanha não acreditavam em ideologias, mas sim na eficiência do Fuhrer.
- A eficiência nacional socialista estava totalmente a serviço da expansão imperialista, operando através do empobrecimento e repressão em escala internacional. Estados satélites deveriam alimentar a “raça superior”.
- O terror era também aquele terror legalizado menos visível, o da burocratização.
- Uma racionalidade técnica foi aplicada para dominar as massas, ela operava de acordo com padrões de eficiência e precisão. Tudo era minuciosamente controlado para a manutenção do aparato de dominação, onde a burocratização era um excelente instrumento.
- O Estado – uma maquina. Definição materialista que reflete melhor essa realidade nacional socialista.
- O Estado nacional socialista é o governo das forças econômicas, políticas e sociais hipostasiadas.
- A base energética de todo esse Império era o individuo. A evolução máxima do ser humano era buscada. Todos deveriam ter a oportunidade de ascender através de suas próprias habilidades. Empresa e nação trabalham em conjunto. “Einsatz”.
- O controle nacional socialista tende a abolir ou corrigir os mecanismos que poderiam impedir uma concentração de riquezas. Tudo deveria ser feito em prol do Reich.
- O regime era marcado pela separação de trabalhadores e fábricas, tudo era divido, uma fábrica era afastada da outra e dentro de cada uma os trabalhadores também deveriam ser divididos. Salários e condições de trabalho eram segredos militares, e sua revelação era considerada traição.
- Tudo era feito em massa, trabalho em massa, descanso em massa e férias em massa, tudo organizado e controlado pelo Partido.
- Tudo era realizado para gerar cada vez mais força de trabalho (bem mais valioso do indivíduo), depois de estudos, o lazer foi apontado como um bem para gerar força de trabalho, sendo assim, o Partido não mediu esforços para proporcionar isso ao povo.
- A privacidade era combatida. Um indivíduo não poderia ficar ‘”sozinho consigo mesmo”, para não “pensar na vida”.
- O nacional socialismo transformou o sujeito livre em economicamente seguro; eclipsou o perigoso ideal da liberdade com a realidade protetora da segurança. Essa segurança está ligada diretamente com a escassez e a opressão.
- Alguma liberdade deveria ser dada, nem que seja virtual, para isso houve a “abolição dos tabus amplamente aceitos”. Onde a quebra de certos tabus foi apoiada pelo partido. Esses tabus eram basicamente cristãos, como de castidade e monogamia. A procriação interessava ao partido, gerava força de trabalho e mercado consumidor. Houve todo um culto ao sexo. Prêmios por dar a luz a um bebê foram distribuídos.
- Indivíduos cujo prazer mais íntimo é estimulado e sancionado pelo Estado são propensos a se tornarem seus obedientes e seguidores.
- Uma falsa liberdade foi dada à população.
- A juventude, uma possível ameaça ao regime, era controlada através da educação e do culto ao sofrimento. Os jovens se identificavam com a figura do Fuhrer e com os ideais perpetuados por ele. Estímulos para a rebelião e protesto foram transformados em estímulos para a coordenação.
- O fascínio, a beleza e a licenciosidade das representações nacional-socialistas conservam as características da submissão e da dominação.

Absurdo: Um Estrangeiro em si mesmo - resenha "O Estrangeiro"









Mersault, sem possuir uma explicação para sua existência, é um estrangeiro na vida, por fora de tudo e viajante das sensações. Começa a obra recebendo a notícia da morte de sua mãe, não chora, parece que não sente nada de profundo, é tudo superficial e simples. Falta-lhe um superego, caminha a margem da moral social humana, não censurando seus instintos e desejos. Não mascarando suas ações e sentimentos como a maioria faz para facilitar a vida e a convivência com os outros.Sua história pode parecer simples. Enterra sua mãe, não chora. Conhece uma garota, é pedido em casamento e perguntado por ela se a ama, responde que não ama, mas não vê motivos para não se casar, passa bons momentos com ela. Mata um árabe na praia, culpa o sol. Em seguida vai preso e é condenado a morte.

Sua apatia no decorrer da história provoca o leitor, mas ao mesmo tempo o faz defender suas idéias por mais absurdas que possam parecer. É, o absurdo, presente mais do que qualquer coisa nessa obra, sendo o outro lado da liberdade que alguém como Mersault parece possuir. Não está preso a nada, religião, sentimentos, Estado e nem mesmo à ciência. Não tem crenças nem sonhos, somente vive o dia de hoje e o amanhã, como ele mesmo diz.

Na primeira parte mostra-se totalmente à parte de tudo, estrangeiro na vida, somente descreve as coisas ao seu redor, não dá significado a elas, não se abala e nem se empolga com nada. É apático em relação ao mundo, apatia essa, refletida na passagem em que diz que tanto faz se mudar para Paris ou não, é tudo a mesma coisa, a vida é sempre a mesma.

Ao cometer o assassinato, inexplicado, nada premeditado, não sente a culpa, não sente o crime, o comete simplesmente, mas sem sentir o castigo que é normalmente sentido após tirar a vida de um ser humano. Aqui nota-se uma gritante diferença com outro famoso personagem da literatura mundial, Raskolnikov, protagonista de "Crime e Castigo", de Dostoievski. O personagem desse outro romance também é um homicida, mas diferentemente do personagem camusiano, ele passa o romance inteiro sofrendo um autocastigo após cometer o crime, ele sofre e sente de maneira profunda o peso da moral que nele existe.

Mersault no decorrer do romance nada sente de culpa, cada vez mais se aproxima de uma revelação do absurdo da existência humana, feita somente no último capítulo. Ele começa a mudar quando se vê de frente com a morte, algo inesperado, dado o fato de que pelo seu crime dificilmente seria aplicada a pena máxima. Foi condenado por "não chorar no enterro de sua mãe", foi julgado merecedor da pena capital por justamente planar nas sensações e nada sentir, por não sofrer o peso da moral e estar de certa maneira livre das imposições sociais e religiosas. Por ser assim, foi julgado como monstro, aberração e que deveria conhecer o fio da guilhotina.

Ao se deparar com a sua morte, ele vê como previsível o fim de sua vida, e faz revelações profundas, porem não íntimas, no final da obra, mostrando que também é capaz de uma densidade maior e que nem tudo são sensações em sua vida. Mas mesmo assim não se prende a nada, nem nos instantes finais, nem ao conversar com o capelão, não crê em Deus, em nada acredita e assim conhece uma das inúmeras verdades da existência humana, a verdade do absurdo, de como tudo é insignificante e de como o homem é um estrangeiro na natureza.

Mersault preferiu não se ligar a nenhuma instituição social que legitimaria a sua existência, escolheu por viver no absurdo e também a morrer por esse, que o seguiu durante toda sua vida. Revelou que fora feliz e continuava sendo, mesmo na véspera de sua execução, mostrando assim como não buscava uma justificação para suas ações, apenas as encarava dessa forma absurda que sempre encarou a vida. Em um dado momento, até pensou em fugir, dar um jeito nas coisas, mas logo aceitou sua verdade, a sua existência inexplicável, absurda, e por não mudar acabou morrendo, sem heroísmos, por ela. Morreu como Sócrates ou Jesus, acreditando até o fim na sua verdade, sem nenhuma contradição ou arrependimento. Porém, esses dois morreram por razões maiores, já Mersault morreu por razão alguma e nisso reside sua própria verdade.

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Narcocorridos - Corridos Proibidos




O “corrido” consiste na mistura de valsa e polca, acompanhada por violões, sanfonas, e/ou por metais. Ele está presente em diversos países da América Latina como Colômbia, México e Ilhas Caribenhas. No México, mais especificamente na região “Nortenha” (fronteira com os EUA), o ritmo continua popular e o que em outros tempos foi usado para retratar epicamente os feitos dos heróis da Revolução Mexicana, nas últimas décadas tomou o cotidiano perverso, a vida de matadores e narcotraficantes como inspiração para suas canções. Esse novo estilo de “corrido” recebeu o nome de “narco-corrido”. A Colômbia também apresenta seus “corridos prohibidos” para contar histórias do submundo dos traficantes, suas dificuldades no negócio, as intrigas entre os cartéis e confissões de crimes.

Nessa temática de bandidos e balaços cabe uma ligação com a literatura de cordel brasileira quando usada para celebrar os feitos dos cangaceiros. Assim como os atuais protagonistas dos “narco-corridos”, os cangaceiros (também foras-da-lei) tinham suas realizações estampadas nos folhetos de cordel. Por outro lado, quanto a forma final os gêneros não têm uma grande proximidade, pois os “corridos” em geral apresentam textos mais curtos, verdadeiras canções. Porém, é preciso levar em conta que o típico “corrido” é organizado em quadras ou sextilhas semelhantes às do cordel. Outro aspecto a ser considerado ao realizar tal aproximação é o fato dos “corridos” serem poesias cantadas e não necessariamente impressas, ao contrário da literatura de cordel que é impressa e por vezes musicada. Embora tenham algumas diferenças, ambos têm suas origens na literatura de cordel ibérica, sejam nos “pliegos soltos” espanhóis ou nas “folhas soltas” portuguesas.

Os grupos musicais de “narco-corridos” atraem multidões tanto no México quanto na Colômbia. “Los Tigres Del Norte”, do estado de Sinaloa e conjunto mais famoso do gênero, já vendeu milhões de discos e chega a se apresentar para cerca de 100 mil pessoas no México, tudo isso desde a década de 70. Esse fenômeno veio com a formação dos grandes cartéis de drogas, pois toda essa “narco-estética” é fruto das mudanças sociais, políticas e econômicas que acompanham essas organizações e sua distribuição de entorpecentes. Nos lugares esquecidos pelo governo, nas zonas onde o cartel cumpre o papel de Estado e o narcotráfico dita as regras da economia, a população encontra satisfação e um retrato do cotidiano nas letras dessa expressão musical popular.

Toda uma estética acompanha a canção, seja nos códigos impressos em tatuagens ou nas espalhafatosas roupas de couro, no melhor estilo “mariachi”, com chapéu, botas e cinto muitas vezes coloridos. Embora respeitados, autores e cantores muitas vezes acabam vítimas da própria violência retratada. Entre Junho de 2006 e Dezembro de 2007, 13 “corridistas” foram brutalmente assassinados. Os motivos ainda estão sendo investigados, mas ao que tudo indica foram serviços encomendados por cartéis inimigos. Bandas menos famosas diversas vezes são patrocinadas por cartéis para cantar seus feitos e maldizer seus inimigos e acabam como vítimas dessa guerra.

O movimento ainda traz símbolos de status semelhantes ao “gangsta rap” americano, são acessórios de ouro, carros potentes, armas, casarões, drogas e mulheres. Com isso, assemelha-se também com o “funk proibidão” brasileiro e com as “neomelódicas” (celebram a Camorra) do sul da Itália. Todos eles cantam aventuras do submundo e tem símbolos de poder capitalistas. Como nos últimos anos voltaram a ficar em evidência, cabe a reflexão: tais gêneros seriam o outro lado da moeda do hedonismo exagerado e da eficiência produtiva capitalista? Um lado mais esquecido e violento? Tudo indica que sim. Com grande sucesso entre os jovens que levam a “vida loka” ou “loca vida”, buscando uma vida rápida com conquistas materiais violentas e instantâneas, o fenômeno onde personagens subversivos são os heróis encontra respaldo. Mesmo distante das classes mais abastadas da sociedade, esses jovens não conseguem fugir do espetáculo capitalista e acabam sendo o outro lado, mas da mesma moeda. Um fato intrigante é que enquanto os “narco-corridos” acabam banidos das principais rádios mexicanas e da Baixa Califórnia (grande comunidade hispânica), o “gangsta rap” não pára de ser transmitido, vender discos e fazer clipes.

Sempre em busca de rápida ascensão social, poder e luxo a juventude inconseqüente reflete o ideal capitalista de aproveitar o máximo de tudo, da balada, da viagem, da noite, da droga e dos negócios, a tal eficiência de produção capitalista. Assim, também acabam esbarrando no crescente hedonismo presente nos últimos anos. O prazer é colocado em primeiro plano e acaba como um fim em si mesmo, “viva rápido e morra jovem”. Isso pode ser visto tanto nas camadas mais favorecidas da sociedade quanto nesses novos kamikazes do submundo. As principais evidências são o abuso das drogas e a fixação na rápida satisfação a qualquer custo. Com isso, essa entorpecencia aparece como escapismo da realidade absurda da sociedade atual.

A vida social nesses locais é cantada e pré-existe ao “narco-corrido”. Esse, no fim, é tachado de causador da violência pelas alas mais conservadoras, que preferem não enxergar toda a complexidade que envolve a questão. O modo de produção operante, diariamente, parece forçar cada vez mais os limites do planeta e da sociedade. A crise já está anunciada há alguns anos e esse modo de vida acelerado e inconseqüente reflete violentamente o ápice dos ideais capitalistas de competição, eficiência e auto-satisfação. Os fins são os mesmos, mas o caminho do pobre acaba sendo mais violento.

Rei da Vela - A síntese da revolta

O Brasil vivia o início de sua ditadura militar e por aqui a revolta também se espraiava na produção cultural. Festivais tomavam conta da televisão, “engajados” e “alienados” travavam suas batalhas. A Jovem Guarda aparecia como produto da indústria cultural. O Teatro de Arena trazia o marxismo aos palcos, era duro, político e buscava uma identidade nacional para o Teatro. O palco era em forma de arena e o objetivo seria romper a “quarta parede” que divide atores e público. O estilo se colocava contra o chamado Teatro Brasileiro de Comédia, uma forma européia de dramaturgia trazida pelos imigrantes. É do questionador Arena que surge José Celso Correa Martinez, líder do Teatro Oficina.

O grupo Oficina também buscava a identidade do brasileiro, era crítico e pretendia revolucionar o teatro nacional, o fez. Em 1967, após um incêndio no galpão, o grupo procurou uma nova montagem para angariar fundos, ir a fundo na questão da identidade, refletir sobre a nova fase do país (ditadura militar) e explicitar toda a rebeldia que tomava conta dos quatro cantos do planeta. Então, Zé Celso pediu a grupos de dramaturgos, estilistas, artistas plásticos, cineastas e músicos para enviarem peças, curtas, trajes e músicas que resumissem tudo o que acontecia no Brasil e no mundo, para montar um espetáculo. Depois de vasculhar bastante, uma leitura em voz alta feita por Renato Borghi (ator), na sala de seu apartamento, provocou um estalo nas mentes do Oficina. O texto trazia a potência retórica necessária para o espetáculo, era satírico, sexual, revelava a face da sociedade brasileira e sua burguesia, denunciava a anti-história desse povo que só viveu a exploração em provento de uma minoria. A linguagem da peça, antiilusionista, dialogava com o público, rompia a “quarta parede” e incitava a reflexão do espectador. A peça era “O Rei da Vela” de Oswald de Andrade.

Escrita e publicada na década de 30, sobre os efeitos da crise de 1929, das revoluções de 30 e 32, a peça trazia a experiência de Oswald como burguês falido vivendo em meio aos agiotas, grandes beneficiários da crise. A peça conta a história de Abelardo I, agiota e industrial de velas que se casa com Heloísa de Lesbos, oriunda de uma família de aristocratas falidos. O casamento é de interesse, juntar o capital burguês industrial de Abelardo I com a tradição e o nome de Helena. A velha história da busca pela nobreza. A aristocracia se vende para os novos ricos, visando continuar no poder. A burguesia por sua vez é refém do capital estrangeiro, retratado na peça pelo personagem de Mr. Jones, um rico banqueiro americano. Os poderes que regem o nosso país são retratados nesse triunvirato formado pela aristocracia rural, burguesia nacional e serventia ao capital estrangeiro. A vela retrata a incipiente industrialização brasileira e a tradição/dependência do povo a esse artefato. Sem luz a vela é necessária e por aqui a tradição manda o defunto ser enterrado com uma. Lucro certo, apoiado nas massas, esse negócio de velas.

A peça é dividida em três atos. O primeiro se passa no escritório de usura de Abelardo I onde ele e seu secretário, Abelardo II, expulsam emigrantes endividados a chicotadas. Abelardo II se diz socialista, nele é caracterizado o socialismo oportunista, de fachada, para garantir os interesses pessoais e de classe da burguesia. Então, entra em cena Heloísa, Abelardo I logo vê o casamento a sua porta. O antiilusionismo permite essa fala de Abelardo I a respeito do casamento: “...comprar os velhos brasões, isso até parece teatro do século XIX, mas no Brasil é novo.” Nesse ato também é apresentado Mr. Jones, o “benfeitor” americano. Sobre ele, Abelardo I tem noção de seu papel como burguês de país periférico, que deve tudo que tem ao capital estrangeiro, se assume como lacaio e nas palavras dele: “É por isso que possuo uma lancha , uma ilha e você...”

O segundo ato se passa na ilha que Abelardo I comprou para Heloísa. Nela caem as máscaras da alta sociedade. Abelardo I tenta seduzir a mãe de Heloísa, Cesarina, que se mostra acessível às investidas. É apresentado ao público o caráter homossexual de Heloísa de Lesbos, como o próprio nome sugere, e o de seu irmão Totó-Fruta-do-Conde que roubara o namorado da irmã Joana, apelidada como João dos Divãs. O ataque as aparências continua quando D.Poloca, tia de Heloisa com mais de 70 anos e virgem, sente-se atraída por Abelardo I e Mr. Jones atraído pelo chofer. Outro personagem também entra em cena para trazer a crítica política à alta sociedade, é Perdigoto, irmão de Heloísa, jogador, bêbado e fascista. Tem a idéia de montar uma milícia fascista e tomar o poder, Abelardo I apóia a idéia desde que traga a manutenção da ordem que o enriquece.

No terceiro e último ato Abelardo II aplica um golpe em Abelardo I, toma todo o seu dinheiro e sugere o suicídio. Em seu testamento deixa tudo para Abelardo II, inclusive Heloísa e sua família. Em sua última fala Abelardo I proclama que a burguesia nacional está fadada a desgraça, essa virá das mãos do proletário unido, mas até lá, burguesia, aristocracia e o capital estrangeiro reinarão absoluto na terra das bananas. Esse é o sistema de substituição, morre um Rei da Vela e nasce outro, sai um Fernando e entra outro, todos lacaios do capital estrangeiro.

Se a peça reflete a década de 30, por que encená-la em 67/68? A resposta é desanimadora. A sociedade brasileira vive a história de substituição dos Reis da Vela já há muito tempo, até os dias de hoje. De um Abelardo para outro, de um Fernando para outro. A década de 30 marcou o inicio do Estado Novo de Getúlio Vargas, apoiado nas massas, populista e autoritário. Negociava tanto com os Americanos quanto com a Alemanha nazi-fascista, mostrando sua flexibilidade moral e oportunismo. Nesse período,assim como em 1968, o poder era de certa forma centralizado e os pilares da sociedade eram a família, a Igreja e o Estado. O espetáculo atacava todos eles. Com palavras, gestos, cenografia, músicas a sexualidade aflorava e as máscaras da sociedade iam caindo. Abelardo II era a síntese de Getúlio e João Goulart, sua maquiagem e vestimentas traziam traços do oportunista que transita da direita para a esquerda, um verdadeiro pelego. Personagem ainda marcante na realidade brasileira.

O espetáculo marcou a eclosão do movimento tropicalista. Revolucionou o teatro nacional, era um “teatro agressivo”, atacava seu público. Era circo, teatro de revista, Brecht, Shakespeare, chanchada, deboche, pornografia, Chacrinha, enfim, um verdadeiro carnaval. Buscava o atrevimento estético do cinema novo. Trazia a música de Caetano. Tudo para retratar o surrealismo brasileiro. Segundo o próprio Zé Celso em seu manifesto, publicado em 5 de fevereiro de 1968 no “Última Hora”: "Tudo procura transmitir essa realidade de muito barulho por nada, onde todos os caminhos tentados para superá-la até agora se mostram inviáveis. Tudo procura mostrar o imenso cadáver que tem sido a não-história do Brasil destes últimos anos, à qual nós todos acendemos nossa vela para trazer, através de nossa atividade cotidiana, alento. 1933-1967: são 34 anos. Duas gerações pelo menos levaram suas velas. E o corpo continua gangrenado. "

Hoje mais gerações levaram suas velas e o ano de 68 passou, os movimentos foram reprimidos e a realidade brasileira parece ainda viver da substituição dos Reis da Vela. Por outro lado, a expectativa de que algo vai acontecer volta à tona. Protestos internacionais voltaram no fim do século passado, nas reuniões da OMC, G8 e FMI. Seattle, Genova, Praga, Davos, Genebra, Quebec, Washington entre outras formaram novos palcos para essa nova esquerda. Black Blocs, Reclaim the Streets com suas festas nas ruas, grupos anarquistas ecologistas, o levante Zapatista em Chiapas, todos eles apontam para um novo futuro, a formação de redes de solidariedade, um antipoder para fazer frente aos poderosos Reis da Vela e ao capital transnacional que impera nesse começo de século.

Faces da "Metamorfose" - Kafka

Faces da Metamorfose

Gregor Samsa, caixeiro-viajante dedicado, trabalha para honrar uma dívida de seu pai. Um dia, ao acordar, se surpreende com uma nova forma tomada por seu corpo: ele se tornara uma barata. Barata de tamanho humano, dotada de consciência e razão, a única coisa que o diferencia de seu estado normal é a forma de inseto. Gregor não se sente como uma barata, ele é uma barata, repugnante e asquerosa como qualquer outra. Sua família, tinha nele a força motriz que fazia a casa funcionar. Colocava sobre ele o fardo de sustentar pai, mãe e irmã; agora reluta em aceitar essa sua nova condição.

Na manhã da Metamorfose, Gregor deixa em todos uma sensação de inquietude ao se atrasar para o trabalho. Toda família tenta abrir a porta, trancada como de costume, e a porta se mantém intransponível. Como em cinco anos de exercício da profissão, ele nunca chegara atrasado para tomar o trem, seu gerente foi pessoalmente averiguar o que acontecera com Gregor. Quando se encontravam gerente, pai e mãe a frente da porta do quarto dele, eis que a então barata consegue, após inúmeros esforços, virar a chave e revelar a todos a sua atual forma.

Todos passaram a tratar Gregor de maneira diferente. Preferem mantê-lo preso em seu quarto, somente a irmã entrava em “contato” com ele. No começo, ela o alimentava e abria a janela do quarto, habitado pela barata; não havia, salvo raras exceções, um contato direto entre irmão (barata) e irmã, ele preferia se esconder e ela, ao que tudo indica, também gostava dessa condição.

O conto de Kafka condena as relações humanas dentro do capitalismo. O pai, violento, opressor, usava de sua força para agredir Gregor. A irmã ajudava o irmão para se sentir útil e ganhar uma posição de maior importância na dinâmica familiar. A mãe desmaiava quando em contato com Gregor; com asma, fazia o papel de vítima nessa família, na qual um dos membros foi aos poucos literalmente abandonado por não ter mais utilidade.

A família explorava o caixeiro-viajante; a partir do momento em que ele se torna um inútil na sociedade, é esquecido e sua morte é até mesmo sentida como um alívio. Ao se tornar um ser estranho à sociedade, uma barata, Gregor Samsa passa a ser perturbador simplesmente pelo fato de não se encaixar no sistema. É um inútil, não produz, só come e anda pelas paredes. Ele é um produto da sociedade. Sendo caixeiro-viajante para honrar uma dívida de seu pai, ele é também um escravo, preso nesse trabalho que poderia muito bem ser exercido por seu próprio pai. Com sonhos individuais e outros que envolviam sua família, ele era um homem de bem, não explorava e nem oprimia a ninguém, cumpria sua função e ainda encontrava tempo para se preocupar com o próximo. A sociedade cheia de interesses acabou por torná-lo um ser rastejador, incompatível, desajustado por não jogar o jogo conforme as regras desse capitalismo feroz.

Sua auto-entrega reside no fato de se dedicar quase que inteiramente a sua família, sendo exceção numa sociedade onde o egocentrismo impera. Não tem como se auto-afirmar, pois é rebaixado a nada, a um ser repugnante, estranho a todos os outros e incompatível com a sociedade.

sábado, 25 de outubro de 2008

Mass Media - Industria Cultural

Mass Media – Indústria Cultural

Robert K. Merton e Paul F. Lazarsfeld tomam o conceito de “mass media” como ponto de partida de seu artigo, adeptos da corrente funcionalista norte-americana, eles defendem a idéia de que a mídia tem um papel importante no meio social de um sistema. Com isso, o “mass media” gera grandes preocupações em torno da questão social. Temendo a ubiqüidade e o poder em potencial desses meios, a perda do senso crítico e a entrega ao conformismo, como também a deterioração dos gostos estéticos e culturais da população, os autores fazem uma analise crítica desse fenômeno.

Já Adorno aborda o mesmo tema, mas de forma diferenciada, mudando o nome do conceito (mass media) para “indústria cultural”, termo esse criado por ele e Horkheinmer em 1947. “Indústria cultural” pois a antes chamada cultura de massas pode soar como se surgisse espontaneamente do povo, contrariando assim todo o conceito dessa definição.Para ele, essa veiculação da cultura é algo verticalizado, cumprindo um movimento que vai de cima (poderosos) para baixo (povo), tendo o consumidor como apenas um objeto e a cultura como fonte de lucro.

Adorno coloca a mídia como importante ferramenta de controle social, essa “cultura” que é dada as massas funciona como uma espécie de estribo, de modo a condicionar o povo a um conformismo e manter a ordem estabelecida. Quem possui o controle desses veículos sabe canalizar as informações seguras e necessárias que podem e devem ser dadas. A “indústria cultural”, funciona como mecanismo de manutenção da estrutura sócio-cultural vigente, não criando nada de novo, somente canalizando os modelos já estabelecidos e apontando-os nas direções desejadas. Merton e Lazarsfeld explicitam essas idéias em seu artigo, Adorno também mostra que o que é veiculado está diretamente ligado com o status-quo, incluindo a seguinte citação em seu artigo: “ tu deves submeter-te”.

Sendo Adorno marxista, seu texto é carregado de críticas ao sistema e aos meios de comunicação atuantes. Merton e Lazarsfeld apresentam um texto mais descritivo a respeito do fenômeno do “mass media”. Até na forma de escrever essas diferenças podem ser facilmente notadas, enquanto Merton e Lazarsfeld possuem um discurso acadêmico e técnico, Adorno adota um discurso mais livre e crítico.

Hiroshima: uma brilhante reportagem.

235 1 236 141 92 1
U + n → U → Ba + Kr + 3 n ∆E = -2x 1010 kJ/mol
92 92 56 36

Essas letras e números não dizem absolutamente nada para muitos, mas foram elas que deram origem a outros números importantes para a história da humanidade. Cem mil mortos e cem mil feridos na cidade de Hiroshima, resultado monstruoso da fórmula que abre o texto. A fissão atômica em conjunto com seu resultado não retrata a experiência vivida por aqueles na cidade, somente seus depoimentos podem ilustrar esse acontecimento. Foi exatamente isso que o repórter John Hersey fez em sua reportagem especial para a revista The New Yorker, colheu depoimentos de alguns sobreviventes para recontar a tragédia. Hiroshima ocupou uma edição inteira da revista, mais tarde se tornou essa grande obra do jornalismo literário.

Hersey foi à Hiroshima um ano após a experiência atômica, ouviu o depoimento de seis sobreviventes da Bomba A, os chamados hibakusha (nome dado aos sobreviventes do bombardeio), entre eles, dois médicos, um sacerdote, um pastor, uma jovem de vinte anos e uma viúva com três filhos. Esses relatos traduzem de forma mais humana todos os fatos subseqüentes ao lançamento da bomba, dessa união da firmeza dos números com o discurso dos sobreviventes nasceu uma das mais aclamadas obras do “new jornalism”. “Hiroshima” se completa anos depois desses depoimentos, quando o autor volta à cidade para ouvir de seus entrevistados como foram os últimos 40 anos.

Na primeira parte ocorre uma minuciosa descrição do que cada um dos seis faziam até as oito e quinze da manhã (horário da explosão). Quando tudo se tornou branco e o pesadelo começou na cidade de Hiroshima. A partir desse momento começa o retrato da luta contra um inimigo desconhecido, até então ninguém sabia o que estava acontecendo. Só se via morte por todos os lados e, entre os mortos, milhares de feridos clamavam por socorro. Os números mesmo frios são impressionantes, 25% das vítimas sucumbiu às queimaduras, outros 20% aos efeitos da radiação, 50% morreram devido a ferimentos diversos. Alvos de uma experiência nuclear os hibakusha não tinham a menor idéia do que estava acontecendo, muitos achavam que se tratava de um ataque incendiário, ninguém tinha noção de que fora lançada sobre eles uma bomba inédita até então. Cobaias de um experimento nuclear essas pessoas penaram durante os anos seguintes para reconstruir suas vidas a partir das cinzas de uma Grande Guerra. A radiação não deixou somente feridas visíveis, a vida dos hibakushas jamais seria a mesma.

O autor ao voltar encontrou uma cidade completamente diferente daquela que deixara em 1946, Hiroshima agora estava reerguida e moderna. Seus confessores também se encontravam em situação diferente. É ao redor dos acontecimentos dos 40 anos passados que a obra se completa. Hersey procurou focar como esses hibakusha passaram esse longo período. Narrando os acontecimentos mais importantes da vida deles o autor retrata todas as dificuldades enfrentadas, problemas de toda sorte, físicos, mentais, financeiros, sociais e familiares. O pano de fundo nessa segunda parte é o avanço das pesquisas atômicas em diversos países, bem como a evolução da questão atômica no Japão e Estados Unidos. Episódios na vida dos seis ilustram de maneira brilhante toda a repercussão do ocorrido e como esse fato jamais deve ser esquecido.