quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

A verdadeira face da Folha de São Paulo

Texto retirado do sítio http://www.revistaforum.com.br/

por Hamilton Octavio de Souza - jornalista e professor da PUC-SP
25.02.2009

Depois de cometer um erro político histórico imperdoável e de agredir grosseiramente seus leitores – inclusive dois respeitados professores universitários e intelectuais - a Folha de S. Paulo – o jornal diário brasileiro de maior tiragem – tem sido alvo de justo e indignado protesto democrático, por meio de cartas, mensagens na internet e abaixo-assinados. Poucas vezes um jornal foi tão repudiado nos últimos tempos, embora tenha deixado de publicar em suas páginas as inúmeras manifestações de pessoas e entidades.

Primeiro, no dia 17 de fevereiro, em um editorial raivoso contra o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, chamado o tempo todo de “ditador”, o jornal se referiu à ditadura civil-militar brasileira (1964-1985) pela alcunha de “ditabranda”, como se os 21 anos de terror do Estado vivido pelo povo brasileiro pudesse ser amenizado ou apagado da história.

Segundo, nos dias seguintes a redação do jornal contestou leitores que prostetaram contra o termo “ditabranda” dizendo que a ditadura brasileira não havia atingido níveis de violência como outras ditaduras na região – mais uma vez para amenizar e minimizar o estrago do regime que vitimou o Brasil de 1964 a 1985 e que deixou feridas não cicatrizadas e danos políticos, econômicos e sociais não superados até hoje.

Terceiro, em nota sobre as várias cartas enviadas para a coluna dos leitores, o jornal chama de “cínica e mentirosa” a legítima e corajosa indignação dos professores Fábio Konder Comparato e Maria Victória Benevides, ambos da USP, conhecidos e respeitados por seu brilhante trabalho acadêmico e sua intensa militância democrática.

Essa “Nota da Redação”, no dia 20 de fevereiro, serviu como estopim em pleno Carnaval: em poucas horas, inúmeros protestos e abaixo-assinados começaram a circular na internet, inclusive cópias de cartas e de mensagens enviadas à própria Folha de S. Paulo – todas contendo manifestações indignadas contra a distorção histórica do jornal e contra o tratamento autoritário e desrespeitoso dado aos seus leitores.

Ao mesmo tempo foram veiculados em diferentes sites e blogs de jornalistas políticos notas e artigos sobre a própria trajetória histórica da Folha de S. Paulo, lembrando que o jornal apoiou o golpe de 1964, colaborou com a ditadura civil-militar, emprestou carros para o transporte de prisioneiros e torturados da Oban-Doi-Codi, entregou o controle do jornal Folha da Tarde para policiais ligados à repressão política e defendeu a candidatura do general “linha dura” Silvio Frota – no momento em que a sociedade brasileira lutava pela redemocratizaçã o do País.

Na verdade, entre os jornalões da grande imprensa empresarial burguesa, a Folha de S. Paulo tem sido o mais eficiente na arte da enganação de seus leitores e admiradores – em especial daqueles que desde o início dos anos 80 consideram o diário paulistano um veículo mais democrático e mais aberto às idéias progressistas do que os seus concorrentes O Estado de S. Paulo, O Globo, Jornal do Brasil, Zero Hora, Correio Braziliense e outros de menor expressão.

Puro engano. O marketing do jornal incorporou a exploração do projeto de distensão da ditadura como um ingrediente para alavancar as vendas, ampliar o leque de sustentação política ao jornal (“à esquerda do Estadão”) e “limpar a barra” de sua ligação íntima com a ditadura civil-militar.
Fez parte desse esquema de marketing a abertura das páginas de opinião do jornal para articulistas e colaboradores do campo democrático durante algum tempo e o apoio ao movimento das eleições diretas, em 1984 – quando a Folha de S. Paulo superou seus concorrentes em tiragem e vendas.

No entanto, qualquer observação mais cuidadosa das páginas do jornal, hoje, permitirá identificar que a grande maioria dos articulistas e colaboradores está organicamente vinculada ao pensamento de direita, neoliberal – entre os quais vários empresários, executivos de multinacionais, acadêmicos conservadores e jornalistas confessadamente alinhados com o pensamento dominante. A Folha de S. Paulo não é nem de longe um jornal democrático, muito menos um jornal que tenha a ver com as lutas dos trabalhadores e com as transformações políticas, econômicas, sociais e culturais que o povo brasileiro precisa e merece.

A verdadeira face da Folha ainda tem a ver com a ditadura civil-militar de 1964-1985, que só é “ditabranda” nos editoriais do próprio jornal.

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