terça-feira, 28 de outubro de 2008

Narcocorridos - Corridos Proibidos




O “corrido” consiste na mistura de valsa e polca, acompanhada por violões, sanfonas, e/ou por metais. Ele está presente em diversos países da América Latina como Colômbia, México e Ilhas Caribenhas. No México, mais especificamente na região “Nortenha” (fronteira com os EUA), o ritmo continua popular e o que em outros tempos foi usado para retratar epicamente os feitos dos heróis da Revolução Mexicana, nas últimas décadas tomou o cotidiano perverso, a vida de matadores e narcotraficantes como inspiração para suas canções. Esse novo estilo de “corrido” recebeu o nome de “narco-corrido”. A Colômbia também apresenta seus “corridos prohibidos” para contar histórias do submundo dos traficantes, suas dificuldades no negócio, as intrigas entre os cartéis e confissões de crimes.

Nessa temática de bandidos e balaços cabe uma ligação com a literatura de cordel brasileira quando usada para celebrar os feitos dos cangaceiros. Assim como os atuais protagonistas dos “narco-corridos”, os cangaceiros (também foras-da-lei) tinham suas realizações estampadas nos folhetos de cordel. Por outro lado, quanto a forma final os gêneros não têm uma grande proximidade, pois os “corridos” em geral apresentam textos mais curtos, verdadeiras canções. Porém, é preciso levar em conta que o típico “corrido” é organizado em quadras ou sextilhas semelhantes às do cordel. Outro aspecto a ser considerado ao realizar tal aproximação é o fato dos “corridos” serem poesias cantadas e não necessariamente impressas, ao contrário da literatura de cordel que é impressa e por vezes musicada. Embora tenham algumas diferenças, ambos têm suas origens na literatura de cordel ibérica, sejam nos “pliegos soltos” espanhóis ou nas “folhas soltas” portuguesas.

Os grupos musicais de “narco-corridos” atraem multidões tanto no México quanto na Colômbia. “Los Tigres Del Norte”, do estado de Sinaloa e conjunto mais famoso do gênero, já vendeu milhões de discos e chega a se apresentar para cerca de 100 mil pessoas no México, tudo isso desde a década de 70. Esse fenômeno veio com a formação dos grandes cartéis de drogas, pois toda essa “narco-estética” é fruto das mudanças sociais, políticas e econômicas que acompanham essas organizações e sua distribuição de entorpecentes. Nos lugares esquecidos pelo governo, nas zonas onde o cartel cumpre o papel de Estado e o narcotráfico dita as regras da economia, a população encontra satisfação e um retrato do cotidiano nas letras dessa expressão musical popular.

Toda uma estética acompanha a canção, seja nos códigos impressos em tatuagens ou nas espalhafatosas roupas de couro, no melhor estilo “mariachi”, com chapéu, botas e cinto muitas vezes coloridos. Embora respeitados, autores e cantores muitas vezes acabam vítimas da própria violência retratada. Entre Junho de 2006 e Dezembro de 2007, 13 “corridistas” foram brutalmente assassinados. Os motivos ainda estão sendo investigados, mas ao que tudo indica foram serviços encomendados por cartéis inimigos. Bandas menos famosas diversas vezes são patrocinadas por cartéis para cantar seus feitos e maldizer seus inimigos e acabam como vítimas dessa guerra.

O movimento ainda traz símbolos de status semelhantes ao “gangsta rap” americano, são acessórios de ouro, carros potentes, armas, casarões, drogas e mulheres. Com isso, assemelha-se também com o “funk proibidão” brasileiro e com as “neomelódicas” (celebram a Camorra) do sul da Itália. Todos eles cantam aventuras do submundo e tem símbolos de poder capitalistas. Como nos últimos anos voltaram a ficar em evidência, cabe a reflexão: tais gêneros seriam o outro lado da moeda do hedonismo exagerado e da eficiência produtiva capitalista? Um lado mais esquecido e violento? Tudo indica que sim. Com grande sucesso entre os jovens que levam a “vida loka” ou “loca vida”, buscando uma vida rápida com conquistas materiais violentas e instantâneas, o fenômeno onde personagens subversivos são os heróis encontra respaldo. Mesmo distante das classes mais abastadas da sociedade, esses jovens não conseguem fugir do espetáculo capitalista e acabam sendo o outro lado, mas da mesma moeda. Um fato intrigante é que enquanto os “narco-corridos” acabam banidos das principais rádios mexicanas e da Baixa Califórnia (grande comunidade hispânica), o “gangsta rap” não pára de ser transmitido, vender discos e fazer clipes.

Sempre em busca de rápida ascensão social, poder e luxo a juventude inconseqüente reflete o ideal capitalista de aproveitar o máximo de tudo, da balada, da viagem, da noite, da droga e dos negócios, a tal eficiência de produção capitalista. Assim, também acabam esbarrando no crescente hedonismo presente nos últimos anos. O prazer é colocado em primeiro plano e acaba como um fim em si mesmo, “viva rápido e morra jovem”. Isso pode ser visto tanto nas camadas mais favorecidas da sociedade quanto nesses novos kamikazes do submundo. As principais evidências são o abuso das drogas e a fixação na rápida satisfação a qualquer custo. Com isso, essa entorpecencia aparece como escapismo da realidade absurda da sociedade atual.

A vida social nesses locais é cantada e pré-existe ao “narco-corrido”. Esse, no fim, é tachado de causador da violência pelas alas mais conservadoras, que preferem não enxergar toda a complexidade que envolve a questão. O modo de produção operante, diariamente, parece forçar cada vez mais os limites do planeta e da sociedade. A crise já está anunciada há alguns anos e esse modo de vida acelerado e inconseqüente reflete violentamente o ápice dos ideais capitalistas de competição, eficiência e auto-satisfação. Os fins são os mesmos, mas o caminho do pobre acaba sendo mais violento.

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