quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Absurdo: Um Estrangeiro em si mesmo - resenha "O Estrangeiro"









Mersault, sem possuir uma explicação para sua existência, é um estrangeiro na vida, por fora de tudo e viajante das sensações. Começa a obra recebendo a notícia da morte de sua mãe, não chora, parece que não sente nada de profundo, é tudo superficial e simples. Falta-lhe um superego, caminha a margem da moral social humana, não censurando seus instintos e desejos. Não mascarando suas ações e sentimentos como a maioria faz para facilitar a vida e a convivência com os outros.Sua história pode parecer simples. Enterra sua mãe, não chora. Conhece uma garota, é pedido em casamento e perguntado por ela se a ama, responde que não ama, mas não vê motivos para não se casar, passa bons momentos com ela. Mata um árabe na praia, culpa o sol. Em seguida vai preso e é condenado a morte.

Sua apatia no decorrer da história provoca o leitor, mas ao mesmo tempo o faz defender suas idéias por mais absurdas que possam parecer. É, o absurdo, presente mais do que qualquer coisa nessa obra, sendo o outro lado da liberdade que alguém como Mersault parece possuir. Não está preso a nada, religião, sentimentos, Estado e nem mesmo à ciência. Não tem crenças nem sonhos, somente vive o dia de hoje e o amanhã, como ele mesmo diz.

Na primeira parte mostra-se totalmente à parte de tudo, estrangeiro na vida, somente descreve as coisas ao seu redor, não dá significado a elas, não se abala e nem se empolga com nada. É apático em relação ao mundo, apatia essa, refletida na passagem em que diz que tanto faz se mudar para Paris ou não, é tudo a mesma coisa, a vida é sempre a mesma.

Ao cometer o assassinato, inexplicado, nada premeditado, não sente a culpa, não sente o crime, o comete simplesmente, mas sem sentir o castigo que é normalmente sentido após tirar a vida de um ser humano. Aqui nota-se uma gritante diferença com outro famoso personagem da literatura mundial, Raskolnikov, protagonista de "Crime e Castigo", de Dostoievski. O personagem desse outro romance também é um homicida, mas diferentemente do personagem camusiano, ele passa o romance inteiro sofrendo um autocastigo após cometer o crime, ele sofre e sente de maneira profunda o peso da moral que nele existe.

Mersault no decorrer do romance nada sente de culpa, cada vez mais se aproxima de uma revelação do absurdo da existência humana, feita somente no último capítulo. Ele começa a mudar quando se vê de frente com a morte, algo inesperado, dado o fato de que pelo seu crime dificilmente seria aplicada a pena máxima. Foi condenado por "não chorar no enterro de sua mãe", foi julgado merecedor da pena capital por justamente planar nas sensações e nada sentir, por não sofrer o peso da moral e estar de certa maneira livre das imposições sociais e religiosas. Por ser assim, foi julgado como monstro, aberração e que deveria conhecer o fio da guilhotina.

Ao se deparar com a sua morte, ele vê como previsível o fim de sua vida, e faz revelações profundas, porem não íntimas, no final da obra, mostrando que também é capaz de uma densidade maior e que nem tudo são sensações em sua vida. Mas mesmo assim não se prende a nada, nem nos instantes finais, nem ao conversar com o capelão, não crê em Deus, em nada acredita e assim conhece uma das inúmeras verdades da existência humana, a verdade do absurdo, de como tudo é insignificante e de como o homem é um estrangeiro na natureza.

Mersault preferiu não se ligar a nenhuma instituição social que legitimaria a sua existência, escolheu por viver no absurdo e também a morrer por esse, que o seguiu durante toda sua vida. Revelou que fora feliz e continuava sendo, mesmo na véspera de sua execução, mostrando assim como não buscava uma justificação para suas ações, apenas as encarava dessa forma absurda que sempre encarou a vida. Em um dado momento, até pensou em fugir, dar um jeito nas coisas, mas logo aceitou sua verdade, a sua existência inexplicável, absurda, e por não mudar acabou morrendo, sem heroísmos, por ela. Morreu como Sócrates ou Jesus, acreditando até o fim na sua verdade, sem nenhuma contradição ou arrependimento. Porém, esses dois morreram por razões maiores, já Mersault morreu por razão alguma e nisso reside sua própria verdade.

Um comentário:

Anônimo disse...

Até agora, a resenha mais consiste que li! Me permitiu alguns esclarecimentos desta obra