terça-feira, 28 de outubro de 2008

Faces da "Metamorfose" - Kafka

Faces da Metamorfose

Gregor Samsa, caixeiro-viajante dedicado, trabalha para honrar uma dívida de seu pai. Um dia, ao acordar, se surpreende com uma nova forma tomada por seu corpo: ele se tornara uma barata. Barata de tamanho humano, dotada de consciência e razão, a única coisa que o diferencia de seu estado normal é a forma de inseto. Gregor não se sente como uma barata, ele é uma barata, repugnante e asquerosa como qualquer outra. Sua família, tinha nele a força motriz que fazia a casa funcionar. Colocava sobre ele o fardo de sustentar pai, mãe e irmã; agora reluta em aceitar essa sua nova condição.

Na manhã da Metamorfose, Gregor deixa em todos uma sensação de inquietude ao se atrasar para o trabalho. Toda família tenta abrir a porta, trancada como de costume, e a porta se mantém intransponível. Como em cinco anos de exercício da profissão, ele nunca chegara atrasado para tomar o trem, seu gerente foi pessoalmente averiguar o que acontecera com Gregor. Quando se encontravam gerente, pai e mãe a frente da porta do quarto dele, eis que a então barata consegue, após inúmeros esforços, virar a chave e revelar a todos a sua atual forma.

Todos passaram a tratar Gregor de maneira diferente. Preferem mantê-lo preso em seu quarto, somente a irmã entrava em “contato” com ele. No começo, ela o alimentava e abria a janela do quarto, habitado pela barata; não havia, salvo raras exceções, um contato direto entre irmão (barata) e irmã, ele preferia se esconder e ela, ao que tudo indica, também gostava dessa condição.

O conto de Kafka condena as relações humanas dentro do capitalismo. O pai, violento, opressor, usava de sua força para agredir Gregor. A irmã ajudava o irmão para se sentir útil e ganhar uma posição de maior importância na dinâmica familiar. A mãe desmaiava quando em contato com Gregor; com asma, fazia o papel de vítima nessa família, na qual um dos membros foi aos poucos literalmente abandonado por não ter mais utilidade.

A família explorava o caixeiro-viajante; a partir do momento em que ele se torna um inútil na sociedade, é esquecido e sua morte é até mesmo sentida como um alívio. Ao se tornar um ser estranho à sociedade, uma barata, Gregor Samsa passa a ser perturbador simplesmente pelo fato de não se encaixar no sistema. É um inútil, não produz, só come e anda pelas paredes. Ele é um produto da sociedade. Sendo caixeiro-viajante para honrar uma dívida de seu pai, ele é também um escravo, preso nesse trabalho que poderia muito bem ser exercido por seu próprio pai. Com sonhos individuais e outros que envolviam sua família, ele era um homem de bem, não explorava e nem oprimia a ninguém, cumpria sua função e ainda encontrava tempo para se preocupar com o próximo. A sociedade cheia de interesses acabou por torná-lo um ser rastejador, incompatível, desajustado por não jogar o jogo conforme as regras desse capitalismo feroz.

Sua auto-entrega reside no fato de se dedicar quase que inteiramente a sua família, sendo exceção numa sociedade onde o egocentrismo impera. Não tem como se auto-afirmar, pois é rebaixado a nada, a um ser repugnante, estranho a todos os outros e incompatível com a sociedade.

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