sábado, 1 de novembro de 2008

Breve história da Imprensa: dos primórdios à lógica do Capital

O jornalismo é uma profissão relativamente nova, pois foi durante o século XVIII que passou a ser possível sobreviver economicamente da prática jornalística. Entretanto, a capacidade do homem de se comunicar e informar o seu semelhante data de milênios atrás. Os primórdios do jornalismo baseiam-se na comunicação oral, que exigia a capacidade de memorizar relatos épicos, genealogias, relações de bens e relatos míticos remetentes a fundação de um povo. Nesse contexto, encontra-se a Bíblia que começou como um relato oral e só foi passado para o suporte escrito a partir do século VIII a.C. Com o desenvolvimento da escrita e a criação de um alfabeto pelos fenícios, passou a ser possível gravar mensagens em suportes sólidos. O alfabeto então foi adaptado pelos romanos, árabes e hebreus. Os romanos possuíam uma publicação regular durante o império, as Acta Diurna, que traziam fatos diversos, notícias militares, obituários, avisos e ordenamentos do império. Essas Acta Diurna eram colocadas no espaço público sobre murais, e podem ser consideradas o primeiro jornal regular que se tem notícia. A imprensa como conhecemos só seria possível séculos mais tarde, pois nos primórdios do jornalismo ainda não era possível reproduzir diversas vezes uma mesma publicação.

A história do jornalismo moderno confunde-se com a ascensão de uma nova classe social, a burguesia. Essa nova classe, basicamente formada por comerciantes e profissionais liberais, possuía boa parte do capital, mas não tinha o poder político. Foi através do comércio organizado que a burguesia ascendeu. Com o primitivo capitalismo financeiro e mercantil que a partir do séc. XIII se expande dos Estados do Norte da Itália para a Europa ocidental e setentrional, se formaram as feiras comerciais, que dariam lugar aos mercados. Esse comércio incipiente tinha a necessidade da troca de informações comerciais, que eram transmitidas através de cartas comerciais.

Práticas do capitalismo financeiro já eram vistas em letras de câmbio e ordens de pagamento, que já eram usuais nas feiras de Champange, no séc XIII. Com o desenvolvimento dessas feiras em mercados periódicos e bolsas, estabeleceu-se uma rede horizontal de dependências econômicas que fazia um contraponto às relações verticais de dependência vivida no modo de produção feudal. O comércio passou a ser praticado a distância e as cidades passaram a funcionar como bases de operação do mercado.

Com esse renascimento comercial e urbano, orientado pelo mercado, e inserido em uma malha horizontal de troca de mercadorias, era necessária a criação de uma rede de câmbio de informações. A partir do século XIV a antiga troca de cartas comerciais foi transformada em um sistema corporativo de correspondência, a tradição romana dos correios seria retomada. Essas cartas, porém, não tinham publicidade, eram de caráter privado e a sua não publicação era de interesse dos próprios comerciantes, que não queriam que todos tivessem acesso às importantes informações comerciais contidas nas cartas.

Durante os séculos XV e XVI o mundo passou por diversas mudanças determinantes, o pensamento humanista se difundiu e a ordem social aos poucos se reorganizou. A burguesia enriquecida pela fase mercantilista do capitalismo foi o principal personagem dessas transformações. Esse foi um período de grande efervescência, o homem reorganizava seu pensamento, passando de Teocentrista para Antropocentrista. Graças a essa nova maneira de encarar o mundo, foram possíveis um melhor desenvolvimento das ciências e a invenção de diversos instrumentos que viriam facilitar a vida do homem moderno. O desenvolvimento da imprensa de tipos móveis por Gutemberg se encontra inserida nesse contexto. A imprensa de Gutemberg foi um ponto determinante na história do jornalismo, pois com ela passou a ser possível reproduzir diversas vezes a mesma publicação. Entretanto a imprensa só foi utilizada para a confecção de jornais 150 anos mais tarde.

Com a consolidação do modo de produção capitalista no século XVII, a afirmação da burguesia como uma classe detentora de poder econômico e principal colaboradora desse novo modo de produção, a ordem social da época se reconfigurava. Instituía-se uma esfera pública de caráter burguês que ainda era subordinada aos órgãos do poder público. Segundo Habermas, dentro dessa lógica surgiram os primeiros jornais:

"Em sentido estrito, os primeiros jornais, por ironia também chamados de "jornais políticos", aparecem de início semanalmente e, lá pela metade do século XVII, já aparecem diariamente. [...] Os beneficiários das correspondências privadas [os comerciantes] não tinham interesse em que o conteúdo delas se tornasse público. Por isso, os jornais políticos não existem para os comerciantes, mas, pelo contrário, os comerciantes é que existem para os jornais. Eram chamados de custodes novelarum (guardiões das novidades) entre os contemporâneos, exatamente por causa dessa dependência do noticiário público para com o seu intercâmbio privado de informações." (HABERMAS,1984, p.34)

As informações contidas nesses “jornais políticos” eram notícias menos importantes do comércio, informações sobre o estrangeiro, sobre a corte, e um repertório folhetinesco como: curas miraculosas, dilúvios, assassinatos, epidemias, incêndios. Viu-se no intercâmbio de informações uma forma de gerar capital, a notícia passou a ser mercadoria.

"O processo de informação profissional está sujeito às mesmas leis do mercado, a cujo surgimento elas devem, sobretudo, a sua existência. Não por acaso, os jornais impressos desenvolvem-se freqüentemente a partir dos mesmos escritórios de correspondência que já providenciavam os jornais manuscritos. Toda informação epistolar tem o seu preço; está, portanto muito próximo querer aumentar o lucro mediante o aumento de tiragem. Já por isso, uma parte do material noticioso disponível é periodicamente impresso e vendido anonimamente - passando a ter, assim, caráter público." (HABERMAS, 1984, p. 35)

Reconhecendo a utilidade da imprensa dentro da sociedade, a administração pública passou a dar apoio e utilizá-la para dar ordens e baixar resoluções. Seu público era constituído pelas camadas cultas da sociedade, organizando assim uma esfera pública que estava longe de atingir as camadas populares, iletradas na época e excluídas da formação dessa esfera pública desde o princípio. A opinião pública da época era a resultante dos debates realizados entre intelectuais burgueses e herdeiros da aristocracia humanista na esfera pública literária que se instalava nos “cafés” europeus.

Tabela 1

Modelo habermasiano de uma esfera pública burguesa do séc. XVIII

Setor Privado Esfera do Poder Público

Sociedade Civil Esfera pública Estado
(setor da “polícia”)
(setor da troca de mercadorias e política de trabalho social)


Esfera pública literária
(clubes, imprensa)

Espaço íntimo Corte
da pequena família (Mercado de bens Culturais)
(intelectualidade burguesa) (sociedade da aristocracia da corte)



De acordo com a tabela 1, a esfera pública do século XVIII situa-se entre o setor privado (Sociedade Civil) e o poder público (Estado). Essa esfera pública política defende os anseios da sociedade privada diante dos interesses do Estado. A burguesia apoiada no princípio da igualdade, defendia a idéia que todos poderiam obter as qualificações necessárias de formação educacional e cultural de um público crítico e, assim, participar da organização de uma opinião pública, interferindo diretamente na administração estatal. Essa definição burguesa de “opinião pública” não respeita as limitações de classe existentes no período.

Dentro dessa lógica social constituída por uma esfera pública de caráter classista, formava-se o palco para finalmente essa classe detentora de poder econômico pudesse fazer sua revolução e obter o poder político. O pensamento Iluminista encontrou grande espaço nessa esfera pública e passou a desenhar sua revolução, defendendo ideais tidos como “universais”, mas que expressavam o interesse da camada burguesa da sociedade. “Só eles [proprietários] tinham, toda vez, interesses privados que automaticamente convergiam nos interesses comuns da defesa de uma sociedade civil como esfera privada. Com isso, só deles é que se podia esperar uma representação efetiva do interesse geral. [...] O interesse de classe é a base da opinião pública”.(HABERMAS, 1984, p.108).

Para fazer a revolução foi preciso alinhar-se com o povo. Para isso foram usados panfletos ilustrados, já que as camadas populares não eram alfabetizadas. Na perspectiva revolucionária, o “jornalismo opinativo” abria espaço para a reclamação de poder político por parte da burguesia, como também, colocava em pauta a opinião pública (de caráter burguês). A imprensa inserida nessa efervescência política do período fazia o papel de mediadora e potencializadora de discussões políticas. Isso é observado em momentos revolucionários como na Paris de 1789, onde diversos grupos políticos possuíam seus jornais e clubes de discussão. Contava-se 450 clubes e mais de 200 jornais. Nessa perspectiva, a imprensa cumpri o papel de afirmar a função crítica do público leitor, o capital só é inserido em um segundo plano. Em geral, esses jornais são deficitários. As publicações jornalísticas não opinativas, ao velho estilo praticado anteriormente, eram diminuídas a meras empresas e estavam sujeitas à interdições das autoridades políticas.

“Os jornais passam de meras instituições publicadoras de notícias para, além disso, serem porta-vozes e condutores da opinião pública, meios de luta da política partidária”. (Bücher apud Habermas, 1984, p.213).

Com a consolidação do Estado de Direito Burguês, essa imprensa crítica poderia ser incorporada pelo mercado visando o lucro. Na França, Inglaterra e Estados Unidos, a evolução da imprensa politizante para uma imprensa comercializada ocorreu mais ou menos durante os anos 30 do século XIX. Com a possibilidade de venda de espaços nos jornais para a colocação de anúncios, os editores viram uma grande oportunidade de mudar a base de cálculos e atingir um lucro maior. Não demorou muito até que os velhos editores ainda não inseridos nessa nova perspectiva da imprensa quisessem se reorganizar de maneira a gerar lucro. Já na metade do século havia uma série de empresas jornalísticas organizadas como sociedades anônimas.

Nos séculos XVIII e XIX se desenvolveu também o modo de produção industrial, ou seja, a lógica do capitalismo deixou de ser simplesmente comercial. A revolução industrial trouxe uma nova maneira de organização social e exploração do trabalho. As indústrias e a produção em massa se proliferaram, sempre visando a maximização dos lucros. Nesse contexto foram inventados diversos instrumentos que mudariam a imprensa novamente, como o telégrafo, que evolucionou todo um sistema de troca de informações, diminuindo as distâncias e facilitando a atividade jornalística; o aperfeiçoamento das rotativas, que aumentou a capacidade de tiragens e diminuiu o tempo de impressão; e o aperfeiçoamento da fotografia. Para se ter uma idéia, em 1814 o Times já era impresso nas novas máquinas que viriam substituir a imprensa de Gutenberg. De acordo com Habermas, dessa forma, os jornais se tornaram empresas privadas comercializadoras de notícias.

[...] o jornal acaba entrando numa situação em que ele evolui para um empreendimento capitalista, caindo no campo de interesses estranhos à empresa jornalística e que procuram influenciá-la. Desde que a venda da parte redacional está em correlação com a venda da parte dos anúncios, a imprensa, que até então fora instituição de pessoas privadas enquanto público, torna-se instituição de determinados membros do público enquanto pessoas privadas, ou seja, pórtico de entrada de privilegiados interesses privados na esfera pública. (HABERMAS, 1984, p.217).

Nesse contexto de mudanças políticas, econômicas e sociais do período, desenvolveu-se um novo tipo de jornalismo, o “jornalismo informativo”. Ele está diretamente vinculado àquele praticado nos nossos dias. Prima a objetividade (como veremos mais adiante num estudo de caso) e a imparcialidade do jornalista. Veio para atender as demandas por informações do novo público pós- revolução industrial (já com índice de alfabetização maior).
Essa nova maneira de fazer jornalismo colocou o jornalista como um agente responsável por informar a sociedade. A empresa jornalística dependente de seus anunciantes, com interesses privados que pressionavam e influenciavam no material publicado, passava então a pautar a opinião pública.

Com esse breve histórico fica evidente que a relação entre imprensa moderna, mercado e interesses privados não é um problema atual. O jornalismo moderno obedeceu as mudanças provocadas pela evolução do capitalismo nas ordens política, econômica e social.

Nenhum comentário: