sábado, 1 de novembro de 2008

Descrição - Mendigo

Casaco batido, roto e esverdeado, combina com as calças de semelhante tonalidade. Uma imagem desbotada, aquele ar urbano, ou melhor, é como se fosse um camaleão com disfunção na camuflagem. Mistura o verde original de suas roupas com o cinza natural da cidade. Resultado é esse: um ser desbotado, lembrança do que foi um dia. Hoje, sua cor e identidade originais já se perderam, foram engolidas pelo ambiente. Os mais desatentos podem confundi-lo com um milico saudosista, daqueles que tira a casaca do armário no sete de setembro ou em alguma outra celebração da pátria amada e sai aos prantos pela rua. Seu andar cadenciado e relaxado logo nos faz perceber, não se trata do tipo militar. O Brasil não foi sua “mãe gentil”. O abandono é estampado em seu rosto. Quando termina o casaco, subindo pelo pescoço, já da para notar a barba mal feita e a face escura. A cor da pele é negra, os pelos ralos e o acúmulo de sujeira escurecem ainda mais a sua figura. Traços fortes delimitam o rosto e um bigode singelo aparece se misturando à sujeira. O cabelo completa a personalidade, sujo, comprido e grudado, há anos deixou de ser cabelo e se tornou massa sebosa no alto da cabeça. Em meio a tantos borrões, é difícil distinguir as marcas da vida das da falta de higiene. Porém, seu olhar não engana. Quase sempre longe, amarelado, parece navegar conforme a maré. Vive na rua, um dia de cada vez, na maioria das vezes um entrando no outro. Realidade confusa, difusa, gestos para o nada e conversa com o ar. A sua luta é a sobrevivência, o resto “que se foda”. Já se entregou na batalha da vida, flutua nas caóticas vias que cortam a cidade. Assim, quase sempre fora de si, as horas passam. Cada vez mais o cenário toma conta de sua personalidade, gradativamente o cinza sobrepõe o verde e o sujeito se perde na monstruosa capital paulista. Pessoas passam e não o vêem, ele já faz parte do ambiente como um poste ou uma lata de lixo. Porém, se fosse objeto estaria bem, não passaria despercebido e cumpriria função social. Seu drama é não ser objeto. Ele é algo muito pior para a sociedade atual. Do tipo que a cidade engole e ninguém se dá conta, é um ser humano que não produz, descartável, um ninguém.

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